Recursos para financiamento imobiliário ficam mais escassos, e Caixa vê alerta para 2025 (O Globo)

Sem perspectiva de “ressuscitar” a poupança e com a Selic nas alturas, o mercado imobiliário e os bancos buscam fontes alternativas para financiar a compra da casa própria a taxas mais atraentes, que não aumentem muito os juros a serem pagos pelo consumidor no financiamento do imóvel.

No crédito habitacional, os depósitos da caderneta de poupança são hoje a maior fonte de recursos usada pelos bancos para bancar os financiamentos. Além do direcionamento obrigatório de 65% dos depósitos da caderneta, essa aplicação é remunerada pela Taxa Referencial (TR), mais baixa do que os juros de mercado. Assim, o crédito é repassado aos compradores de imóveis a taxas também menores.

O problema é que a poupança está minguando desde 2021, o que gera dúvidas sobre o futuro do crédito imobiliário. Com a Taxa Selic hoje em 10,5% ao ano, outros investimentos conservadores, como Tesouro Direto ou títulos bancários, tornam-se muito mais atraentes. Por outro lado, os financiamentos imobiliários não param de crescer, demandando cada vez mais recursos.

A preocupação do governo, dos setores de construção e incorporação e dos bancos é travar o mercado imobiliário, um importante indutor do crescimento da economia e da geração de empregos. Dinheiro não vai faltar, o problema é a que custo. Se as taxas aumentarem muito, o acesso à casa própria, principalmente pela classe média, pode cair.

Líder em crédito habitacional, com 68% do mercado, a Caixa tem dado alertas preocupantes já para 2025. Hoje, o banco já está “sobreaplicado” em poupança, usando 88% dos depósitos para financiar sua carteira imobiliária

— Os recursos estão no limite da capacidade de financiamento da habitação — afirmou o presidente da Caixa, Carlos Vieira, no mês passado. — Em 2024, a questão da habitação está resolvida. Em 2025, não sabemos.

 

Recursos mais custosos

Desde o início de 2021 até maio deste ano, os resgates líquidos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que não inclui a poupança rural, somaram R$ 205,1 bilhões. No mesmo período, o saldo da modalidade caiu 6,5%, para R$ 749,6 bilhões. Enquanto isso, o estoque do crédito imobiliário saltou 50,2%, de R$ 712,8 bilhões para R$ 1,07 trilhão, o equivalente a 10% do PIB.

Com isso, a poupança vem perdendo espaço como fonte de recursos para o crédito imobiliário, embora ainda seja seu principal instrumento. Saiu de 46% em dezembro de 2021 para 34% no fim do ano passado, segundo dados da Associação Brasileira de Crédito Imobiliário (Abecip). Em compensação, o funding de mercado, como Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI), cresceu de 27% para 40% no mesmo período.

Em nota, o banco informou que “o ano de 2023 e o primeiro trimestre de 2024 foram marcados por ações de incentivo para captação em letras na Caixa, com oferta de taxas mais atrativas.”

Os recursos de mercado, porém, são mais custosos. A LCI, por exemplo, é remunerada com base no CDI, que tende a seguir a Selic. Em 2021, a taxa média de juros do financiamento imobiliário foi de 7,1%. No ano passado, de 10,2%.

O presidente da Abecip, Sandro Gamba, diz que já houve queda de 5% nas concessões este ano, até abril, tanto para consumidores como para construtoras e incorporadoras, frente ao mesmo período de 2023:

— O mercado cresceu bastante e demandou bastante crédito. A questão é qual é a equação da taxa de crédito imobiliário ante a adesão ou não dos clientes.

Além disso, desde que o governo alterou, em fevereiro, o prazo mínimo de vencimento da LCI de 90 dias para um ano, o volume de emissões médio mensal caiu quase 60%.

Para resolver o problema, no curto prazo os bancos pedem uma redução do recolhimento compulsório da poupança, a parcela dos depósitos que têm de manter no Banco Central, hoje de 20%. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) calcula que um corte de 5 pontos percentuais poderia liberar R$ 37,5 bilhões em financiamentos.

“Ainda que não seja uma solução definitiva, trata-se aqui de medida com impacto relevante, de curto prazo e sem nenhum impacto negativo ou eventual custo para o governo”, afirmou Rubens Sardenberg, diretor de Economia e Regulação Prudencial e Riscos da Febraban, em nota.

No entanto, o BC, que define as alíquotas do compulsório, não está inclinado a alterá-las. Internamente, avalia que isso resolveria o problema apenas por alguns meses.

O Ministério da Fazenda reconhece que as taxas dos financiamentos estão mais altas porque as curvas de juros se mantêm em patamar elevado e os recursos de poupança vêm diminuindo. Mas não vê problemas na oferta de crédito imobiliário neste momento. Mas, para garantir o financiamento a médio e longo prazos, avalia que são necessárias mudanças estruturais.

A principal aposta do governo é o incentivo ao mercado secundário de crédito imobiliário, por meio da ampliação do escopo da estatal Emgea, ainda que também estude outras possibilidades.

Uma medida provisória (MP) editada este ano permitiu que a estatal atue como securitizadora, comprando carteiras de crédito imobiliário dos bancos e empacotando-as em cotas de fundos de investimento a serem repassados ao mercado. Também poderia comprar os títulos de securitização. Segundo a estatal, estudos ainda vão indicar os próximos passos. A ideia seria liberar o balanço dos bancos, que são obrigados a reservar uma parte do capital para fazer frente à inadimplência dos empréstimos, para novos financiamentos. Desse modo, haveria uma ampliação da oferta, que tenderia a baixar o custo de crédito.

Atalho para subsídios privados, critica economista

Especialistas, no entanto, preocupam-se com os riscos da operação. Caso sejam assumidos pela estatal, podem acabar sendo repassados ao Tesouro Nacional. Segundo a Fazenda, a Emgea seguirá a legislação pertinente sobre securitização e não há discussão para aporte de recursos do Tesouro. Já a estatal afirma que o risco de crédito dos financiamentos é do agente originador da operação. “(A Emgea) deverá utilizar recursos próprios e eventuais captações que possa fazer no mercado para atuar no mercado imobiliário”, disse o ministério, em nota.

Para a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a atuação da Emgea ajudaria a baixar os juros para os tomadores de crédito e ainda poderia fomentar empréstimos imobiliários indexados ao IPCA. Essa possibilidade já existe, mas é pouco atraente, pois os juros do contrato ficam sujeitos à flutuação de preços.

A Abrainc sugeriu criar uma linha de crédito em IPCA subsidiada com recursos do compulsório da poupança. Outra sugestão é a Emgea atuar como compradora dos títulos de outra securitizadora, mas adquirindo a cota subordinada — a primeira a ser afetada em casos de inadimplência.

Segundo Luiz França, presidente da Abrainc, a Emgea não teria prejuízo, só arcaria com a “defasagem no tempo” entre a inadimplência e a venda do imóvel, que é garantia do financiamento.

O economista e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Marcos Lisboa pondera, contudo, que há um problema na insegurança jurídica que rege os contratos imobiliários no Brasil, que é a dificuldade de recuperar garantias:

— Em casos raros se consegue executar garantia no Brasil. E demora muito tempo, custando muito. As famílias acabam pagando o preço, via taxa de juros, da ineficiência do Judiciário na execução de garantias.

Para Lisboa, enfrentar essa questão ajudaria a reduzir o custo de crédito imobiliário. As alternativas criadas, segundo o economista, são apenas atalhos para subsidiar o setor privado.

 

Fonte: O Globo – Brasil,  por Thaís Barcellos –  17/06/2024

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