A engenheira Marina Cury, 51, atualmente é a única mulher à frente de uma consultoria de gestão imobiliária no Brasil. CEO da multinacional Newmark no País, Marina vem de uma família libanesa que tem tradição tanto no mercado imobiliário quanto no empreendedorismo.
O pai, Elias Cury, fundou a Cury Construtora em 1962 – que mais tarde se transformou em uma das maiores incorporadoras de baixa renda do Brasil sob a liderança do irmão, Fábio, à frente da empresa desde os anos 1990. Marina, no entanto, nunca achou que um cargo de CEO fosse estar em seu caminho.
“Toda a minha família tem uma veia empreendedora, mas eu não imaginava que também tivesse. Estava muito acostumada a ser executiva”, contou em entrevista à EXAME.
Marina trabalhou 14 anos na Cushman & Wakefield, uma das maiores consultorias em gestão imobiliária do mundo e top três do setor no Brasil. Lá, passou de trainee a diretora estatutária para a América do Sul, liderando as áreas de inquilinos e proprietários em seis países.
O ponto de virada na carreira começou com o questionamento de um amigo. “Ele me perguntou se eu tinha currículo pronto e me dei conta de que nunca pensei em sair. Estava investindo lá como se fosse minha empresa”.
Com 40 anos de idade, Marina sentiu que era hora de mudar de ares. Pediu demissão para tirar um ano sabático – que acabou mais curto que o esperado. Cerca de seis meses depois, ela começou sua jornada no empreendedorismo, estruturando no Brasil a operação da Newmark, concorrente da antiga firma em consultoria imobiliária.
Carreira como executiva
No início da carreira, Marina seguiu os passos do pai e se formou em engenharia em uma época na qual a turma de 40 alunos tinha apenas três mulheres. Foi estagiária no mercado financeiro e, depois de formada, chegou a trabalhar na Cury, a empresa da família. Mas logo percebeu que não estava interessada em atuar diretamente com construção. Outras áreas, como o comercial do negócio, chamavam mais sua atenção.
Saiu da Cury para ser trainee na Cushman & Wakefield, onde caiu de paraquedas na área de representação de inquilinos, um setor que ela não conhecia. “Foi ali que desenvolvi meu DNA, minha paixão.”
O trabalho era entender as dores do inquilino – em geral multinacionais – que buscavam espaços comerciais no Brasil, tanto para instalar operações quanto para remodelar a quantidade de escritórios ou galpões que já ocupavam. Era uma atividade que ainda estava começando no Brasil, onde a locação não era profissional.
“Era uma mentalidade que vinha de fora; aqui o inquilino negociava diretamente com o dono do prédio. E o que fazíamos: estudávamos tudo sobre a melhor localização para o cliente – desde quantas vagas de garagem tem o prédio até onde bate o sol para checar de que lado da rua as pessoas caminham –, e assim encontrar a melhor solução [em custo-benefício].”
Em cinco anos, Marina passou de trainee a diretora da área de representação de inquilinos e também de varejo. Depois, assumiu o atendimento na América do Sul, estruturando as operações da empresa em quatro países: Colômbia, Venezuela, Peru e Chile. Argentina e Brasil, já operantes, também ficaram sob seu guarda-chuva.
A carreira de executiva atingiu o ápice – e seu maior desafio – quando Marina ficou responsável também pelos proprietários de imóveis e passou a lidar com os dois lados do balcão simultaneamente, equilibrando as demandas dos locatários e dos locadores.
Virada para o empreendedorismo
Com reconhecimento e uma carreira sólida, por que deixar o emprego? A provocação do amigo fez Marina iniciar um processo de coaching, no qual percebeu, pela primeira vez, que gostaria de empreender. “Tinha 40 anos na época e senti que era hora de fazer uma mudança. Pensei de tudo, até em abrir franquia. Mas não conseguia me decidir com o mundo girando.”.
Veio aí a ideia de um ano sabático. A “folga” não durou nem um mês quando recebeu a ligação de um colega argentino com quem tinha trabalhado na Cushman. “Ele me disse: ‘Estou falando com uma empresa ainda sem operação no Brasil. Estão buscando alguém para encabeçar isso, e te recomendo de olhos fechados’”.
Ela topou o desafio e no mês seguinte estava em Nova York rodeada de executivos da Newmark na primeira rodada de negociação. A meta era provar que o Brasil era um bom mercado para expandir a operação da empresa – e que ela era a pessoa certa para liderar essa empreitada. “Eles tinham certa dúvida de que era um mercado interessante, então montei um business case muito completo. Fui do mapa da América Latina à Faria Lima para explicar a oportunidade.”.
De “brinde”, Marina trouxe para o barco alguns colegas de sua época como diretora da América do Sul, que ficaram responsáveis pelas operações de seus respectivos países: Chile, Colômbia e Peru. “Ganhei uns pontos a mais com eles [com esse movimento]. O sentimento geral era de ‘onde eu assino’?”
A assinatura veio em abril de 2014, e então começou o desafio de realmente estruturar uma operação do zero – até então ela não conhecia nem mesmo os trâmites burocráticos necessários para abrir uma empresa no Brasil. Passados 10 anos, a Newmark é a quarta maior empresa do ramo no País e tem pretensões de continuar crescendo, mas à sua maneira.
O principal ponto para Marina era o tamanho da operação. Enquanto os concorrentes têm de 1 mil a 1,5 mil funcionários, a Newmark tem 50. “Eu queria empreender, não ser funcionária. E para isso, precisava de carta branca para implementar o que acho que funciona melhor: ter uma operação menor e mais eficiente.”
Existem outras consultorias boutique no Brasil, mas a Newmark é a única multinacional que adota esse modelo. A principal mudança é que a empresa concentra a frente de inteligência e estratégia do negócio e terceiriza as áreas operacionais. “Queremos que o cliente seja atendido por um sênior. Eu mesma estou envolvida em boa parte das operações”, afirma. Ela defende que, assim, consegue oferecer um atendimento melhor que a concorrência.
Outro diferencial é o segmento de clientes atendido. A Newmark foca especialmente em médias empresas, um nicho que, segundo Marina, não era explorado no Brasil e se tornou uma oportunidade de mercado.
A mulher no mercado imobiliário
De estagiária à diretora, uma constante na carreira de Marina foi a falta de colegas mulheres. A construção civil é um ambiente com predominância de homens, mas a questão vai além dos canteiros de obras. “É um ambiente machista, mas principalmente masculino. Temos que nos provar muito mais que os homens – especialmente para quem não conhece nosso histórico de atuação no mercado”, diz.
Hoje, ela é a única mulher entre os CEOs regionais da Newmark e está acostumada a estar cercada de homens em grande parte das reuniões em que participa. Existem exceções, mas costumam vir da própria Newmark.
O maior exemplo é Marina Hanania, diretora de pesquisa e inteligência de mercado da empresa, que é a responsável por apresentar as teses aos clientes. “Vejo também que o fato da empresa ser liderada por uma mulher é uma inspiração para quem trabalha na Newmark e quer um dia chegar em um cargo mais alto”, afirma a diretora.
Dentro de casa, a Newmark tem 60% de mulheres – e mantém a mesma proporção no corpo diretivo. A CEO reforça que não foi uma decisão afirmativa de diversidade chegar nessa proporção. “Mas com certeza é algo que nos ajuda. Faz bem para a empresa ser diversa.”
Fonte: ABECIP– Por Exame – 20/06/2024