Captação de fundos de crédito desacelera

Depois de sete meses de sucessivos recordes na captação líquida, os fundos de crédito privado tiveram a primeira desaceleração do ano. Relatório da área de pesquisa do Banco ABC Brasil mostra que em setembro o volume caiu do padrão anterior de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões por mês para R$ 17 bilhões. Segundo gestores, a redução no ritmo está acontecendo porque os fundos com grande patrimônio – sobretudo os que têm possibilidade de resgates no mesmo dia ou no dia seguinte e que vinham recebendo a maior parte dos investimentos direcionados à categoria desde o início do ano – estão fechando para novos aportes. Isso porque, diante da alta demanda, os prêmios de risco dos títulos tiveram fortes quedas, o que dificulta a alocação dos recursos.

Levantamento feito pelo Valor no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostra que o Santander fechou para captação, entre 5 de setembro e 14 de outubro, cinco fundos, três deles de crédito privado e dois de infraestrutura. Os dois de debêntures incentivadas chegaram a reabrir por alguns dias e voltaram a fechar. No mesmo período, a Itaú Asset fechou cerca de 15 fundos de renda fixa, três deles exclusivamente de crédito privado, e reabriu três, sendo dois de crédito privado. A Caixa fechou um de crédito privado, e o BTG Pactual, um de infraestrutura. Entre as independentes, SulAmérica fechou um de crédito privado.

Nos fundos de infraestrutura, o recurso de vedar novos aportes já vinha sendo usado desde maio, quando os prêmios começaram a cair com força e as emissões não correspondiam à demanda. A Sparta foi uma das primeiras a lançar mão da medida e, nos últimos meses, muitos de seus produtos ficaram fechados. No entanto, em crédito privado, o fechamento ainda era pontual e tímido, e se ampliou em setembro e outubro.

Com mercado aquecido, os fundos conseguem captar, mas a alocação é difícil”
— Roberto Dumke

Fayga Delbem, sócia e superintendente de crédito privado da Itaú Asset, diz que a instituição fez um movimento maior nesse sentido a partir de setembro “para ter tranquilidade para alocar em ativos de boa qualidade e manter a carteira pulverizada.” Ela frisa que “segue comprando bastante” e está confortável com o segmento, mas não quer ser forçada a comprar papéis sem boa relação entre risco e retorno. A Itaú Asset tem 25% do mercado, a maior fatia, e R$ 430 bilhões em fundos exclusivamente de crédito privado. Só em 2024, captou R$ 125 bilhões. “Chega uma hora em que as oportunidades não são suficientes para fazer frente a uma demanda tão forte, então decidimos reduzir a velocidade de captação para manter nossos produtos sustentáveis e atrativos”, explica.

A executiva vê os fechamentos para novos aportes como uma demonstração de maturidade do mercado e diz que, como investidora, se preocuparia com instituições que não estão adotando a medida, já que as atuais condições de mercado podem começar a se refletir de forma significativa no rendimento. “Ainda vemos oportunidades, mas hoje precisamos de mais garimpo.” Segundo Delbem, em setembro, 48% dos R$ 75 bilhões em títulos comprados pela asset foram em operações privadas, e em 35% a asset foi investidor âncora. “A cada três empresas que batem à nossa porta, aprovamos só uma, é um funil importante, por isso foi fundamental reduzir o fluxo.” Ela diz ainda que, com o início do ciclo de alta da Selic, está olhando com cuidado para empresas mais alavancadas.

No ano, os números da categoria são expressivos, com investimentos superando saques até setembro em R$ 353,9 bilhões, segundo o relatório do ABC Brasil, que considera 2.757 fundos, com R$ 2,16 trilhões de patrimônio líquido e ao menos 15% alocados em crédito privado. No mês passado, os fundos de debêntures incentivadas não tiveram redução nos aportes e mantiveram a captação na faixa de R$ 7 bilhões. O mercado de emissões também perdeu ritmo, com um total de operações de R$ 44 bilhões, frente ao recorde de R$ 73 bilhões em maio e julho, mas o volume ofertado absorvido pelo mercado foi recorde, com 77%.

Roberto Dumke, chefe de pesquisa do ABC Brasil, explica que os prêmios não necessariamente estão remunerando o risco que os emissores representam, o que dificulta a alocação. Em muitos casos, sequer cobrem os custos operacionais do fundo, como as taxas de administração. “Com mercado aquecido, os fundos conseguem captar, mas a alocação é difícil. Os grandes bancos diminuíram o ritmo, a expectativa é saber como vai ser em outubro.” Relatório da área de pesquisa do BTG indica que os spreads de crédito (diferença entre a taxa paga pelo papel privado em relação ao título público de referência) chegaram em setembro a 43 pontos-base acima da NTN-B, menor distância desde julho de 2022, atingindo uma taxa de IPCA mais 6,81%, contra 57 em julho. Já os corrigidos pelo CDI chegaram a um spread de 1,36% no mês passado, frente a 1,41% em julho e 1,61% em maio.

Fabiano Cintra, sócio e chefe de análise de fundos da XP, diz que tem buscado mais gestoras para ampliar a oferta em crédito e atender à demanda jogando luz sobre produtos com menor liquidez, como os com possibilidade de saque a cada 60 dias. “Nos fundos de grandes bancos está mais difícil de alocar, é um desafio, porque os spreads que mais se contraíram foram os de títulos com classificação triplo A [nota mais alta] e duplo A, que são muito demandados pelos fundos com liquidez diária.” Por outro lado, diz, os que têm nota A ou triplo B não tiveram compressão tão relevante, e os fundos que conseguem capturar esse retorno são os com liquidez a cada 30 ou 60 dias. “Estamos priorizando os mais longos, inclusive os D120 e D180.”

Ele afirma que também tem concentrado esforços na captação de fundos fechados, como os listados em bolsa ou com prazo determinado, por terem mais clara a porta de saída para investidor e gestor. “Tem dois tipos de dinheiro, o de caixa, que vai continuar indo para o D0 [que permite resgate no mesmo dia], e o que vê a relação entre prêmio e liquidez, e é essa que está considerando um espectro mais amplo de fundos.” E vê que até mesmo essa parcela dos investidores que busca alta liquidez vem se rendendo aos fundos D30 de papéis de nota de crédito mais alta. “Como plataforma não tenho preocupação com ruptura ou ponto de inflexão no crédito. A demanda continuará pujante.”

Francisco Lobo, analista do Santander, diz que fundos D0 e D1 são os primeiros a receber mais aportes e também os primeiros a sentir em caso de problemas. “Há concentração grande nesses fundos, mas muitas vezes o investidor compra a liquidez sem precisar dela. Os investidores estão aprendendo a investir em crédito privado.” Ele acredita que a demanda seguirá alta.

João Arthur Almeida, executivo-chefe de investimentos da Suno Wealth, concorda que a demanda seguirá forte, mesmo com alguns fundos fechados e outros abertos, mas se diz pessimista com o segmento. “Com os spreads na mínima histórica, estamos preferindo títulos públicos e evitando crédito privado.” Segundo ele, a NTN-B nos atuais níveis elevados, de IPCA mais 6,5% ao ano, tende a superar o CDI. Em papéis corporativos, a alocação é feita pontualmente, quando encontra oportunidades. “Na nossa visão, o prêmio de risco não justifica o investimento em crédito, por isso estamos com dificuldade de alocar.”

Delbem, da Itaú Asset, lembra que o patamar alto da NTN-B vem sendo um fator inibidor de ofertas de debêntures incentivadas, porque representa um alto custo para o emissor. Para ela, é saudável que, com o fechamento de cada vez mais fundos para novos aportes, o investidor busque produtos de renda fixa sem risco de crédito. “É natural a busca por outras classes. O crédito se tornou relevante na composição do portfólio, mas não pode ser a única alocação.”

Fonte: Valor Econômico – Por Liane Thedim — Do Rio, 17/10/2024

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