As distorções do modelo atual de elaboração do orçamento público no Brasil, realizado a partir da negociação política entre governo federal e o Congresso Nacional, precisam ser corrigidas a partir de uma Reforma Orçamentária.
As mudanças do atual processo foram debatidas nesta sexta-feira (13) em evento realizado pela FGV Direito, a FGV Economia e o CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), que tratou do lançamento do Projeto “Nosso Orçamento Público”, complementando a “Nossa Reforma Tributária”.
A formulação de um projeto de reforma do Orçamento está em discussão no Ministério do Planejamento, mas ainda não existe uma previsão de quando o texto será enviado ao Congresso.
O debate foi comandado pelo diretor do CCiF Nelson Machado, ex-ministro da Previdência Social e ex-secretário-executivo dos ministérios do Planejamento e da Fazenda.
“A ideia dessa roda de conversa é começar democraticamente uma proposta de Reforma Orçamentária”, disse.
Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda e ex-chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, defendeu uma reforma ampla, com uma mudança de cultura no planejamento e execução do gasto público, para melhor induzir o investimento privado.
“O orçamento público é o grande indutor de investimento no país. É o principal instrumento de política econômica. Quando se coloca no Orçamento que irá se fazer uma estrada e torna crível aquele investimento, você induz toda a atividade econômica naquele local. Você organiza o setor privado”, disse Pires.
Na avaliação do economista, que hoje coordena o Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV IBRE, o debate sobre a reforma exige requalificar a participação do Congresso Nacional na elaboração da execução orçamentária, a partir de uma reformulação “ambiciosa”, similar à da reforma tributária em discussão no Congresso.
A mudança deveria, de acordo com Pires, incluir o papel das emendas parlamentares, apontadas por ele como instrumento legítimo, mas que não deviam ser a única maneira de deputados e senadores entrarem na formulação do gasto público.
Nelson Marconi, coordenador do curso de graduação em administração pública da FGV e ex-assessor do Ministério do Planejamento, criticou as emendas impositivas, por meio das quais os parlamentares destinam recursos para suas bases com obrigação do governo executá-las. “A existência de emendas impositivas praticamente elimina o espaço dentro do Executivo para fazer política pública”, afirmou.
Marconi apontou a disparidade entre o plano plurianual (PPA), que define as linhas macroeconômicas do gasto federal, em relação à LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Segundo ele, o PPA deveria ser estruturado em duas fases com objetivos de médio e longo prazo, visando estabelecer projetos estruturantes para sociedade independente do governo de plantão.
A mudança alteraria a lógica atual de buscar apenas ampliar o gasto de um ano para outro, sem avaliação qualitativa do gasto empenhado no ano anterior. “O PPA é um instrumento formal de planejamento, mas ele é feito na prática para caber no orçamento todas as rubricas executadas ao longo do tempo”, criticou.
Fátima Cartaxo, consultora do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para Gestão Fiscal e Transformação Digital, considerou equivocada a relação atual entre LDO e Orçamento.
“Temos uma grande miopia orçamentária. Só conseguimos enxergar o Orçamento do próximo ano. Vai passar agora [no Congresso] uma LDO de quatro anos de previsões fiscais, mas o Orçamento continua sendo anual. A gente não consegue ter uma visão de longo prazo de impacto e crescimento. Muitas obras começam e não se sabe como vão terminar, porque não tem uma visão multianual”, considerou.
Os economistas também discutiram o papel do arcabouço fiscal para o planejamento público. O ex-secretário da Fazenda de São Paulo e sócio da consultoria Warren, Felipe Salto, defendeu o arcabouço em substituição ao teto de gastos criado no governo Michel Temer. “O teto era uma quimera e se desmanchou muito rápido no ar”, pontuou.
Marconi defendeu a retirada do investimento público do arcabouço para dar folga no âmbito do equilíbrio das contas públicas para a União executar programas de longo prazo. “Eu defendo que investimento esteja fora do Arcabouço Fiscal. Orçamento corrente e investimento são coisas diferentes.”
Fonte: Folha de São Paulo – Por Nivaldo Souza – Brasília, 13/09/2024