Enquanto o país assiste, estarrecido, aos desvios de recursos públicos no chamado petrolão, o governo, silenciosamente, permanece conspirando contra o erário.

É fato percebido por poucos que o Brasil não peca pela falta de leis, mas ao contrário, pelo excesso delas. Por outro lado, o risco de nos tornarmos uma nação refém de leis de exceção nunca foi tão grande como nos últimos anos. Um dos melhores exemplos dessa prática é a existência do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).

Assumindo sua incompetência administrativa no trato dos recursos públicos, o governo federal, como num passe de mágica, transformou a medida provisória nº 527/11, cuja temática referia-se à organização interna da Presidência da República, na lei nº 12.462/11, que criou o RDC, cujo conteúdo não teve a publicidade necessária, não foi debatido, nem sequer questionado.

A lei visava, inicialmente, agilizar as contratações de obras e serviços necessários à viabilização de eventos internacionais assumidos pelo país: a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Seu conteúdo, entretanto, representa a burla oficial aos fundamentos constitucionais que balizam as licitações públicas, violando os princípios de impessoalidade, moralidade e publicidade, além de zombar da legalidade.

Usando como bandeira o ufanismo nacional, o RDC foi criado para "libertar" a administração das "amarras da burocracia". Alegou-se que a Lei de Licitações vigente comprometia a agilidade das contratações e estaria inviabilizando as obras necessárias aos eventos previstos para 2014 e 2016.

Assim, foi criada uma legislação que, excepcionalmente, relega a segundo plano, quando não simplesmente desconsidera, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Orçamentária e a Constituição.

A simples existência do RDC representa um atestado de incapacidade de gestão do Poder Público e a ausência de planejamento para realizar grandes eventos.

O tempo consolidou a farsa. Os prazos não foram cumpridos; os custos das obras mais que dobraram e não existe qualquer garantia quanto à sua perenidade. Mais ainda, tais obras limitaram-se às "arenas", condenando ao esquecimento projetos de infraestrutura, transporte público e urbanização, esses sim, importantes e de interesse público.

Todavia, como agora já é evidente, a verdadeira finalidade do governo ao propor o RDC é substituir a atual Lei de Licitações.

Com tal desígnio a sociedade civil não pode compactuar. A possibilidade de o erário ser apropriado por fornecedores que serão convidados sem orçamentos prévios e sem projetos, mediante apenas ao desejo dos governantes da vez, é potencialmente ruinosa.

Para além das discussões acerca da corrupção e modos de combatê-la, é vital para o futuro do país que o STF declare, de uma vez por todas, a inconstitucionalidade dessa legislação tão deletéria.

Devemos prosseguir nas reformas necessárias à Lei de Licitações, que, não obstante careça de ajustes importantes, ainda é a melhor legislação, tanto para a administração pública como para o mercado e para a sociedade civil.

FLÁVIO NIEL é advogado e assessor jurídico da Associação de Pequenas e Médias Empresas de Construção Civil - Apemec.

Fonte: Folha de São Paulo


Fonte: APeMEC, 29/12/2015