O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira, por 51 votos a 17, a medida provisória (MP) que autoriza as empresas a flexibilizarem regras trabalhistas específicas para situações de calamidade pública, como a redução de salário com corte proporcional da jornada de trabalhoantecipação de férias e adoção do trabalho remoto. Como o texto não foi modificado nem pela Câmara nem pelo Senado, a proposta segue diretamente para promulgação presidencial.

O projeto torna permanente a possibilidade de adoção de regras trabalhistas que valeram para a pandemia da covid-19. Na prática, com a aprovação, cidades e Estados poderão justificar calamidade pública local para também suspender alguns direitos dos trabalhadores de sua região.

Por conta disso, o texto foi duramente criticado pelos partidos de oposição. Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta era discutível somente durante a pandemia e impõe, na visão dele, uma "nova reforma trabalhista".

“É uma reforma trabalhista antecipada. O município X ou Y, se julgar que está em situação de calamidade, pode fazer uma reforma trabalhista. Na época da pandemia, o assunto foi amplamente discutido por todos nós. Como agora vamos deixar um município decretar Estado de calamidade e limitar direitos dos trabalhadores?", questionou o senador do RS. "Vão cortar a cabeça do trabalhador. Isso não dá. Não podemos dizer: 'vai vir outra pandemia, então, adeus direitos'", complementou.

Paim pediu que o assunto seja discutido via projeto de lei e não por meio de uma MP, ou seja, sem esse caráter emergencial que a MP pressupõe. Em função de todas essas críticas, a bancada do PT foi uma das que votou inteiramente contra a proposta. "Isso é dar um cheque em branco para todos os governos estaduais", argumentou Paim.

"São as mulheres e homens que vão ter que abrir mão de seus direitos no meio de uma calamidade? Nada justifica querer tirar algum direito trabalhista que sobrou", acrescentou a senadora Zenaide Maia (Pros-RN). "Isso é esmagar ainda mais o povo brasileiro, que está tendo que lidar com fome, inflação. É o fim da política do bem comum", ponderou a parlamentar.

O líder do governo no Senado, senador Carlos Portinho (PL-RJ), que assumiu a relatoria da matéria, rebateu as críticas da oposição durante debate no plenário. "O que é melhor: garantir o emprego e o mínimo de renda ou, na ausência desse mecanismo, as empresas fecham a porta e mandam os empregados embora? Diante de uma calamidade, Deus queira que não, já existirá um instrumento para esse tipo de situação", defendeu ele.

Para que as regras trabalhistas “alternativas” tenham validade, a calamidade pública precisará ser reconhecida pelo governo federal, mesmo que seja especificamente para uma cidade ou Estado específico (o que evitará que o instrumento seja utilizado de forma mais ampla). O prazo de vigência dessa flexibilização será determinado em ato do Ministério do Trabalho.

A MP permite que, nessas ocasiões, as empresas adotem o regime de teletrabalho (home office)antecipem as férias individuais e feriados ou concedam férias coletivasutilizem o banco de horas ou suspendam o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Para adoção desses instrumentos não será necessária a anuência do funcionário, o que também provocou críticas dos partidos de oposição.

Já para corte de salário, com redução proporcional da jornada de trabalho, será necessário acordo com os funcionários ou sindicato. Além disso, será obrigatório que o governo federal institua o chamado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e disponibilize recursos orçamentários para custear o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) – mecanismo em que o governo compensa parte do corte.

Outro ponto que causou polêmica foi o período total da calamidade pública. Isso porque o texto diz que é permitido ao governo federal instituir a vigência do BEm durante 90 dias ou prorrogar esse período "enquanto durar o estado de calamidade pública em âmbito nacional ou em âmbito estadual, distrital ou municipal reconhecido pelo Poder Executivo federal". "Não é só 90 dias", criticou Paim.

Após perceber que a derrota seria inevitável, o PT decidiu apresentar um destaque que procurava enfatizar que as medidas de redução proporcional de jornada de trabalho, salário, ou de contrato de trabalho não poderiam ser feitas de "forma unilateral", ou seja, dependeriam de pelo menos de acordo individual ou coletivo entre as partes. Apesar disso, para evitar que a MP acabasse caducando, a maioria dos senadores (39 votos a 19) votou contra a emenda petista.

 

Fonte: Valor Econômico - Política, por Renan Truffi e Vandson Lima, Valor — Brasília, 03/08/2022