A piora do cenário inflacionário ocorreu de forma rápida ao longo deste ano e, no momento atual, a pressão de bens industriais, a recomposição dos serviços e o encarecimento da energia apontam que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve terminar 2021 com alta de 6,2%. A avaliação é de Fábio Romão, especialista em inflação e mercado de trabalho da LCA Consultores, que foi o convidado de ontem da Live do Valor.

A meta para o ano é 3,75%, com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos. Há pouco tempo, o mercado discutia se o indicador subiria entre 4,5% e 5%, lembrou Romão.

Nas últimas semanas, as projeções migraram para ao redor de 5,5% e, agora, estão começando a superar 6% - acima do teto da meta, de 5,25% -, o que deixa mais inércia para 2022. Por isso, a LCA reviu a previsão para o aumento do IPCA no próximo ano, de 3,6% a 3,8%. A meta é 3,5%.

Em maio, o IPCA superou as estimativas do mercado, ao avançar 0,83% - maior taxa para o mês em 25 anos -, e a inflação em 12 meses atingiu 8,06%. Neste mês, esse número deve acelerar para cerca de 8,5%, alcançando 8,6% em julho, provável pico da inflação anual, previu Romão.

Segundo o economista, uma conjunção de fatores explica por que a inflação está em patamar tão incômodo. Em primeiro lugar, ele mencionou a pressão dos bens industriais, que devem subir perto de 7% em 2021. Esta seria a maior alta anual do grupo desde 2004 (10%).

Em 2020, os produtos industriais subiram 25% dentro do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que compõe os Índices Gerais de Preços (IGPs) da FGV, disse Romão. “Isso começou a aparecer no varejo no fim do ano passado e este ano vai aparecer com muita força”, avaliou. Nos últimos anos, disse, as altas de bens manufaturados no atacado foram relevantes, mas chegaram com menor intensidade ao consumidor, mitigadas pelo nível de atividade fraco.

Esse quadro começou a mudar no ano passado devido às restrições na cadeia produtiva causadas pela pandemia e, também, pelo aumento da demanda por bens em detrimento dos serviços. Como o choque de custos no atacado não teve alívio, os repasses ao consumidor persistem. “Temos automóvel novo com uma alta que há tempos não se via, e outros itens de linha branca e informática. Assistimos a uma alta importante de bens industriais”, comentou Romão.

Ainda dentro dos preços livres, o economista destacou o comportamento previsto para os serviços, setor mais afetado pela pandemia. Estes preços aumentaram apenas 1,6% em 2020 e, neste ano, devem avançar por volta de 3,5%, em linha com o padrão observado em 2018 e 2019, apontou.

“Neste momento não temos uma pressão de demanda, mas isso não significa que ela não vai acontecer. Com a perspectiva de aceleração da vacinação e majoração nas estimativas para o PIB deste ano, deve haver aceleração dos serviços no segundo semestre.” A LCA agora espera crescimento de 5% para a economia este ano, ante 4% anteriormente.

As tarifas monitoradas por contrato, com destaque para energia elétrica, são mais um vetor de alta para a inflação deste ano, acrescentou Romão, para quem o cenário hidrológico mais adverso não estava no radar de analistas e, por isso, desencadeou as últimas revisões nas estimativas para a inflação em 2021.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acionou em junho a bandeira vermelha patamar 2, mais cara, e é possível que a cobrança extra adicionada por essa sinalização nas contas de luz seja reajustada, ressaltou o especialista, o que eleva ainda mais o IPCA.

A LCA considera que as chances de um racionamento de energia em 2021 são baixas, mas a falta de chuvas resulta em tarifas de eletricidade mais pressionadas, disse Romão, e elas são a principal preocupação para o front inflacionário nos segundo semestre. “Teremos uma alta importante de energia no ano e ela está em tudo; faz parte da formação de preços. Podemos ter bens finais mais caros porque o custo da produção aumentou devido à energia mais cara.”

Em 2022, a perspectiva de uma hidrologia mais favorável, a perda de fôlego esperada para a economia e um câmbio mais apreciado tendem a moderar a inflação, ponderou o economista da LCA, para quem o IPCA não deve superar 4% no período.

 
 

Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Arícia Martins e Lucianne Carneiro — De São Paulo e Rio, 17/06/2021