Há cerca de um ano tentávamos entender e avaliar o possível impacto na economia e nas empresas da então recém iniciada pandemia. Foi servida uma sopa de letrinhas: alguns analistas projetavam uma recuperação em V, outros em W, alguns outros em K ou U, e por aí foi.

Os governos da nossa região estavam, e com razão, preocupados com os destinos das empresas. Afinal, era preciso reduzir os riscos mais imediatos de quebras generalizadas e, assim, preservar ativos produtivos e empregos. Nesta toada, reprogramaram pagamentos de dívidas e impostos de empresas e desenvolveram instrumentos de liquidez e garantias. Alguns governos também disponibilizaram suporte para custos trabalhistas.

Seria bom introduzir legislações transitórias para a reestruturação de empresas potencialmente viáveis

A expectativa era que a pandemia estaria controlada no segundo semestre de 2020, a crise econômica se dissiparia e as empresas retornariam aos negócios. Embora os custos para os cofres públicos fossem enormes, o apoio emergencial às empresas se justificaria, já que traria benefícios ainda maiores para a sociedade.

As políticas de apoio implementadas foram, em vários casos, de corte amplo, e empresas de diversos setores e características, incluindo as já pouco viáveis antes da pandemia ou que nem mesmo necessitavam de recursos públicos, tiveram direito de pleitear benefícios. Estima-se que milhões de empresas da região tiveram acesso a ao menos algum tipo de apoio.

Mas o vírus pegou a todos de surpresa ao resistir às diversas intervenções de contenção. Já estamos na terceira onda da pandemia, a esperada recuperação ainda não veio e as empresas seguem sob pressão. As esperanças residem, agora, na expectativa de que a vacinação possa avançar e ajudar a reconduzir as economias da região de volta aos trilhos no segundo semestre deste ano.

Mas, enquanto a normalização não chega, as preocupações com as empresas seguem se acumulando, notadamente com as pequenas e médias (PME). As reprogramações de dívidas estão próximas do fim ou já terminaram, os programas de liquidez encerraram e os governos encontram-se em situação de grande estresse fiscal, o que dificulta ou limita a capacidade de extensão daqueles programas. Muitas PME padecem já não apenas de problemas imediatos de liquidez, mas também de riscos de solvência. Afinal, elas se endividaram e vêm acumulando perdas.

Uma possível consequência desse quadro seria uma grande onda de quebradeiras represadas com importantes implicações econômicas e sociais e, também, para os sistemas financeiros, o que poderia implicar obstáculos ainda maiores para a normalização das atividades.

O risco de ondas de insolvência é global e não da América Latina, mas ganha especial agudez na região em razão das vulnerabilidades das nossas empresas, que tanto se caracterizam pela informalidade, baixa produtividade e competitividade e baixo engajamento em inovação e internacionalização.

Estudo do FMI sobre riscos de insolvência de PME durante a pandemia feito com uma amostra de países avançados sugere que 20 milhões de empregos poderiam desaparecer a curto prazo naqueles países, o que corresponderia a 13% do emprego nas respectivas empresas, o que dobraria a taxa de desemprego. Em vista das fragilidades PME e das condições econômicas e sanitárias, pareceria razoável supor que aquela proporção seria bem maior por aqui.

Neste complexo contexto, o que fazer? Está claro que as empresas seguirão necessitando apoio, mas a capacidade de ação dos governos e dos bancos já não é a mesma de um ano atrás. Desta forma, considerando o limitado espaço fiscal, o menor apetite de risco dos bancos e a necessidade de proteger as economias de riscos sistêmicos, talvez seja preciso focalizar esforços de apoio às empresas a fim de lograr maior efetividade dos escassos recursos públicos e promover uma mais rápida reativação econômica.

Uma possibilidade é apoiar, prioritariamente, PME promissoras e com relativamente maior potencial de reação e crescimento. Trata-se de empresas que, por capacidade de adaptação, tecnologia e inovação, modelos de negócios, setores de atuação, preferências dos consumidores e outras características, teriam maior potencial para gerar novos empregos e robustecer a recuperação. Em adição, dever-se-ia apoiar PME em setores estratégicos como, por exemplo, bens e serviços essenciais para o funcionamento de cadeias de produção, e bens e serviços essenciais para empresas, famílias e governos.

Tendo em conta as atuais condições extraordinárias, os instrumentos de apoio também deveriam ser extraordinários. Dever-se-iam considerar novas linhas de crédito e novas garantias específicas e instrumentos menos convencionais, como injeção de quase-capital fresco, conversão de dívidas em capital, sempre e quando possível acompanhados de cumprimento de metas pertinentes e regras de saída, dentre outros instrumentos.

Outro caminho seria introduzir legislações transitórias especiais para facilitar a reestruturação de empresas potencialmente viáveis, ao invés de liquidação muitas vezes acelerada por varas especializadas, e legislações que estimulem reestruturações por câmaras de arbitragem.

Obviamente, os grandes desafios desse tipo de política são o desenho, identificação de empresas e operacionalização dos instrumentos. Para mitigar riscos no confronto entre iliquidez e insolvência de empresas e potencializar impacto, poder-se-ia contar com parcerias com bancos, fintechs e outras instituições especializadas para identificar e avaliar empresas e compartilhar algum risco em bases viáveis para todos.

Infelizmente, não há evidências empíricas consolidadas para nos guiar neste momento e não sabemos se medidas como estas funcionarão tanto quanto esperado. Por isto, será preciso experimentar, ser flexível e desenhar políticas com portas de saída que permitam ajustes, quando necessário. O risco maior a esta altura não é o de errar, mas o de não fazer nada.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Jorge Arbache, 08/04/2021