Entrega da linha 6-laranja do metrô de SP pode atrasar mais 3 anos

Dificuldades geológicas na obra da linha 6-laranja do metrô, que ligará a zona norte à região central de SP, podem atrasar em 1.096 dias, ou seja, mais de três anos, a entrega das estações do novo ramal de São Paulo.

O prazo consta em um relatório de administração publicado em março pela concessionária Linha Uni, responsável pela obra e gestão do novo ramal metroviário paulistano, em uma PPP (Parceria Público Privada) com o governo do estado.

Por causa da possibilidade de atraso, está pedindo uma compensação financeira de R$ 230 milhões, que está em estudo pelo governo estadual. A construção da linha está orçada em R$ 18,5 bilhões, em valores atualizados.

“A obra está sendo impactada em seu cronograma com os atrasos na construção de algumas estações, devido a problemas encontrados durante a sua construção, que não foram previstos nos estudos de geologia durante os levantamos prévios executados para a preparação do edital de licitação”, afirma o documento.

“O Poder Concedente já possui conhecimento dos impactos no cronograma inicial para entrega da obra e por isso houve a comunicação formal e reconhecimento pelo governo do estado com o acréscimo de 1.096 dias”, diz a empresa no documento, que afirma buscar soluções de engenharia para contornar os problemas.

Governo e concessionária falam que estão tentando agilizar cronogramas.

Se todo o prazo for utilizado, a linha será entregue em 2028, três anos depois do previsto de quando a Linha Uni, que tem a espanhola Acciona à frente, iniciou os trabalho em outubro de 2020.

O projeto do ramal metroviário atravessou os governos do PSDB de José Serra, Geraldo Alckmin, João Doria e Rodrigo Garcia, até o possível novo atraso chegar à gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Prometida inicialmente para começar em 2010, a obra sofreu uma série adiamentos e efetivamente teve início em 2015, com previsão de entrega em cinco anos depois. Porém, a construção acabou paralisada em 2016, sendo retomada em 2020 com a atual concessionária.

Houve ainda a interrupção inesperada de sete meses em parte dos trabalhos, quando uma cratera afundou o asfalto na marginal Tietê, em fevereiro de 2022, por causa do rompimento de uma tubulação de esgoto, que também inundou a tuneladora, conhecida como tatuzão, que fazia a escavação.

EM CONTRATO

O que diz o documento

  • O contrato de concessão prevê a PPP – Parceria Público Privada –, pelo prazo de vinte e quatro anos (24), divididos entre a fase de construção prevista para cinco anos (5) e a fase operação de mais dezenove anos (19), na qual se iniciará a fase de administração, operação e manutenção

A proposta inicial era entregar toda a linha de uma vez em 2025. No início deste ano, entretanto, Tarcísio admitiu que não seria possível cumprir a meta.

O cronograma atual prevê início da operação em 2026 —último ano do atual mandato do governador— entre a Brasilândia e Perdizes, na zona oeste. A inauguração do restante ficaria para 2027 —o prazo é sustentado tanto pelo governo quanto pela Linha Uni, mesmo com o alerta público de possível atraso.

“A concessionária está realizando estudos para agilizar a entrega do empreendimento diante dos riscos geotecnológicos materializados durante as obras, modificando o método de construção e ampliando os esforços e recursos aplicados”, afirma a Secretaria de Parcerias em Investimentos, sobre os esforços para se manter o prazo atual.

Com 15 estações, quando estiver concluído, o ramal vai ligar a Brasilândia, na zona norte, ao centro da cidade, com interligações com outras linhas e com a CPTM (Companha Paulista de Trens Metopolitanos). A expectativa é de transportar 630 mil pessoas diariamente.

À Folha, a Linha Uni afirmou na última quinta-feira (23) que enfrenta “desafios consideráveis” tanto no trecho norte quanto no sul, “devido as condições do solo não previstas originalmente como falhas geológicas”.

Para Edilson Pizzato, professor de Geologia de Engenharia do Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo), a concessionária aponta que pode ter ocorrido erro nos estudos geológicos ou de sua análise.

“Ele [relatório] não dá detalhes de qual é o problema, mas não é para acontecer isso”, afirma o especialista, dizendo que no estudo de obras do Metrô de São Paulo há uma série de investigações geológicas, com sondagens, coletas de amostras, ensaios técnicos no local e em laboratórios, entre outros, para detectar problemas.

“Lógico que ocorrem alguns imprevistos, mas o Metrô costuma fazer muita investigação, faz sondagens a cada 50 metros”, diz Pizzato. “Se a empresa precisou mudar o sistema construtivo é preciso investigar o que aconteceu.”

Na semana passada, parte da quadra esportiva de um condomínio na Freguesia do Ó, zona norte, afundou. O acidente fica próximo das escavações.

Esse problema, entretanto, era previsto. Conforme a Linha Uni, as falhas geológicas que provocaram o desabamento durante a passagem da tuneladora já haviam sido identificadas durante análises preliminares de risco. Por isso, o local foi isolado preventivamente.

O engenheiro Henrique Dinis, professor na disciplina Obras de Terra na Faculdade de Engenharia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lembra das dificuldades de uma obra desse porte, e que pode haver um aprendizado ao longo de seu percurso por causa dos obstáculos que aparecem e não se consegue determinar perfeitamente apenas por prospecções.

“O processo é mais ou menos como em um castelo de cartas, você tira uma carta e, de repente, aparece uma acomodação [bloco de rochas]”, afirma.

No documento, a Linha Uni afirma que os atrasos causaram impacto financeiro no custo, e que devido à situação, foi aplicada retenção de valores sobre pagamentos de notas fiscais emitidas. E que “as penalidades totalizaram o valor de R$ 48,3 milhões em 2023”.

Diz ainda que os impactos dos atrasos e os custos adicionais serão parte de reequilíbrio do contrato de concessão e, caso o pleito seja aceito pelo governo, os valores retidos retornarão à empreiteira.

De acordo com o relatório, é prevista responsabilidade da concessionária por eventos geotecnológicos de até R$ 40 milhões, sendo que o valor que ultrapassar esse limite será de responsabilidade do poder concedente.

“Essa possibilidade era prevista no contrato de concessão e a companhia em conjunto com o poder concedente está avaliando as melhores soluções e opções e para o custeio dos custos adicionais”, informa o texto.

Em nota, a Secretaria de Parcerias em Investimentos confirma que os riscos geotecnológicos são objeto de regramento no contrato de concessão e, a partir de certo limite financeiro, são assumidos pelo governo, “como é a boa prática em grandes projetos de infraestrutura”.

“Nesses casos, os impactos dos atrasos e os custos financeiros adicionais devem fazer parte de posterior reequilíbrio contratual”, diz a pasta, que não cita valores.

OBRAS CONTA COM 2 TATUZÕES

Atualmente são cerca de 8,2 km de túneis construídos por duas tuneladoras. Há obras simultâneas nas 15 estações (sendo que nove estão com escavações finalizadas), no pátio Morro Grande (que inicia a linha na zona norte) e nos 18 poços de VSE (ventilação e saída de emergência).

As estações estão em níveis diferentes de obras. Enquanto a Santa Marina, zona oeste, tem 62,13% da construção concluída e já recebe, inclusive, escadas rolantes, a Vila Cardoso, zona norte —ela faz parte do primeiro pacote de inauguração—, está com menos de 30% dos trabalhos prontos, segundo a Linha Uni em seu site.

Há ainda o caso da estação 14 Bis, no centro, onde foi achado um sítio arqueológico. Intervenção do Ministério Público Federal e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) paralisaram as escavações por causa do resgate arqueológico. Por isso, as obras ainda não chegaram a 10% no total.

METRÔ DE SÃO PAULO TEM HISTÓRICO DE ATRASOS

Com direito a vídeo do embarque gravado na China e publicado em redes sociais, o governo Tarcísio anunciou no último dia 14 a vinda para o Brasil do primeiro trem do monotrilho da linha 17-ouro. A expectativa é que a composição chegue de navio ao porto de Santos em julho, e que em 2026 (nova promessa de conclusão da linha) comece a rodar, 12 anos após o prazo prometido para o transporte público estar funcionando, na Copa do Mundo de 2014

Os atrasos na entrega das obras, como as da linha 17-ouro, fazem parte da história do metrô de São Paulo.

A ampliação da linha 4-amarela até a estação Vila Sônia, na zona sul, também deveria ter sido entregue em 2014, mas o metrô só chegou lá em dezembro de 2021.

Nesta mesma linha, a estação São Paulo-Morumbi só começou a operar em outubro de 2019 —foram aproximadamente dez anos de espera para os torcedores são-paulinos conseguirem chegar ao estádio tricolor de metrô.

linha 15-lilás também foi alvo de promessas para o ano de Mundial de futebol no Brasil, mas a conclusão do ramal metroviário só terminou em 2018, cerca de 20 anos depois do início das obras, em 2008.

No outro monotrilho da capital, o da linha 15-prata, que roda na zona leste do município, as estações Sapopemba, Fazenda da Juta e São Mateus começaram a receber os trens em dezembro de 2019, seis anos depois do prazo prometido.

Fonte: Folha de São Paulo – Cotidiano, por  Fábio Pescarini– São Paulo, 27/05/2024

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