Quais são os problemas do Plano Diretor de SP na visão de empresários do mercado imobiliário – Estadão

As lojas vazias no térreo de edifícios residenciais em São Paulo mostram que o Plano Diretor da cidade ainda tem falhas, segundo as empresas e especialistas do setor. Embora o mercado elogie o estímulo à criação de empreendimentos imobiliários perto de eixos de transporte público e maior adensamento de áreas centrais, há críticas tanto quanto à formulação quanto à aplicação prática da lei. Segundo especialistas, isso cria distorções que atrapalham o desenvolvimento equilibrado da cidade e, muitas vezes, não entregam os benefícios prometidos à população.

A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, defende que o Plano Diretor Estratégico é indiscutivelmente um planejamento urbano de longo prazo (2014 a 2029). “Além disso, as diretrizes contidas nele seguem rigorosamente o Estatuto da Cidade e estão voltadas à sustentabilidade, integração social e adensamento de áreas com infraestrutura adequada”, disse, em nota (leia a íntegra mais abaixo).

O Plano Diretor atual está em vigor desde 2014, tendo passado por algumas revisões nos últimos anos. O objetivo desse plano é nortear o desenvolvimento imobiliário da cidade, estabelecendo regras que devem ser seguidas pelas incorporadoras. Algumas das regras são a altura dos edifícios, adensamento populacional, habitação social e transportes.

Uma das principais críticas do setor é em relação às regras para fachadas ativas, como são chamadas as lojas no térreo dos prédios residenciais que são feitas para aumentar o potencial construtivo dos empreendimentos. Essas regras são vistas como um equívoco. Para os críticos, a lei tentou uniformizar a cidade sem considerar a vocação comercial de cada bairro.

Além disso, o Código de Obras, com recuos obrigatórios pensados para veículos, conflita com a lógica de calçadas mais próximas e vivas. O resultado são fachadas ativas “de fachada”: espaços sem uso comercial real, ou localizados em áreas sem demanda. Com isso, a Associação Comercial de São Paulo estima que 80% dessas lojas no térreo dos prédios residenciais na cidade estão vazias.

Em relação às fachadas ativas, João Castro, diretor de desenvolvimento de projetos na incorporadora SKR, conta que o plano diretor trata a cidade de forma isonômica, sem levar em conta particularidades de cada área, o que leva a distorções durante a aplicação prática nos projetos. “Cada região, cada bairro e cada rua de um bairro tem uma vocação. Eventualmente, existem ruas super comerciais, que, ao virar a esquina, tem outra característica”, diz.

Segundo Castro, empresas especializadas em varejo passaram a participar do processo de elaboração das lojas nos seus empreendimentos, de modo a evitar a criação de fachadas ativas sem a vocação que cada região tem. O executivo dá como exemplo um projeto da SKR na Vila Clementino, uma região que tem hospitais e clínicas médicas e odontológicas, além de universidades. Por isso, as lojas foram pensadas para uma clínica de exames laboratoriais e um restaurante ou venda de alimentos para atender aos moradores.

Plano de cidade

Indo além das lojas, um dos principais pontos levantados é a ausência de um projeto claro de cidade. Na visão do mercado, o plano diretor se limita a estabelecer regras de zoneamento, recuos e densidade sem partir de um desenho urbano previamente definido.

“Não é um problema da Secretaria de Habitação ou do mercado imobiliário. É um problema da sociedade. Precisamos saber onde queremos que a cidade se desenvolva e de que maneira. É um projeto de cidade que está faltando ainda. O mundo se esqueceu disso. Se Paris tivesse sido projetada nos últimos 50 anos, estaria igual a São Paulo. Basta ver o que está acontecendo na Europa com o Airbnb”, afirma Bruno Sindona, fundador da holding Sindona, dona da incorporadora de moradia popular Sin.

Em países como Alemanha e Espanha, a popularização de apartamentos voltados à locação de curta estadia é apontada como uma das responsáveis pelo aumento de preços de imóveis para os moradores. Cidades como Berlim, Barcelona e Nova York, nos EUA, decidiram proibir as locações de curta duração. Um estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Economia Aplicada da Universidade Autônoma de Barcelona, com foco na plataforma Airbnb entre 2007 e 2017, apontou que para o bairro médio, a atividade do Airbnb aumentou os aluguéis em 1,9%, os preços de transação em 4,6% e os preços anunciados em 3,7%.

Outro ponto sensível está na habitação social. Embora o plano diretor tenha mecanismos para incentivar a construção de moradias populares em regiões centrais, o alto preço da terra nessas áreas inviabiliza projetos enquadrados no Minha Casa, Minha Vida. Embora o custo da construção seja igual em toda a cidade, segundo as incorporadoras, o motivo é simples: a conta simplesmente não fecha por causa do valor do terreno.

“Se eu fizer a construção da mesma área do lado da estação Vila Olímpia ou do lado do metrô Tucuruvi, o custo da construção é o mesmo, porque a construção é commodity. Só que a área do terreno muda e o incentivo é o mesmo. Se falamos de HIS, que é habitação de interesse social, não há contrapartida financeira para a prefeitura, não tenho recolhimento de outorga, e a construção basicamente é a mesma. Onde está a diferença do custo? No preço do terreno”, diz Castro, da SKR.

Sindona também afirma que, indo além do plano diretor, falta interesse do mercado imobiliário em construir projetos de moradia popular em bairros nobres da cidade e conta que enfrentou resistência ao criar um edifício para consumidores de baixa renda na Cidade Jardim, o que atrasou o projeto em dois anos. “O empreendimento está sendo vendido a R$ 8 mil o metro quadrado, e fecha a conta. O que eu mais escuto é que a conta não fecha. É conversa fiada, porque se tivesse essa limitação de preço, automaticamente o terreno já seria precificado para baixo”, afirma.

Densidade populacional

A densidade populacional também é vista como baixa na cidade. Em outras palavras, os terrenos poderiam ser melhor aproveitados para criação de moradias em áreas importantes, como perto de centros comerciais ou estações de metrô.

“Comparada a outras metrópoles do mundo, a densidade de São Paulo é baixa. A densidade está relacionada com a infraestrutura urbana. Falamos em acessibilidade ao transporte público, mas deveríamos pensar na acessibilidade do pedestre e na acessibilidade ao transporte alternativo ou particular, como bicicleta ou patinete”, diz Pablo Slemenson, sócio na PSA Arquitetura.

Para os incorporadores, a cidade precisa adensar mais, mas de forma equilibrada e em sintonia com infraestrutura adequada. O problema é que, na prática, o adensamento ocorre antes do investimento em transporte público, saneamento e energia, criando desequilíbrios urbanos.

Segundo o fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole), Philip Yang, a capital paulista tem menos de 100 habitantes por hectare. Em Paris, que tem grande parte dos prédios com até seis andares, a densidade é de cerca de 200. Já nas megacidades asiáticas, o número chega a 400. Enquanto isso, diz, a capital tem regiões desiguais nesse quesito, como é o caso de Paraisópolis, que tem mais de 800. Por isso, na sua visão, nem sempre a verticalização leva a um maior adensamento de espaços urbanos.

Yang cita bairros como Vila Andrade, Panamby, Brooklin Novo e trechos do Tatuapé e Anália Franco como exemplos de construções verticais que foram feitas, mas não aumentaram o número de moradores. De acordo com dados da administradora de condomínios Lello, a cidade ganhou 7 mil novos prédios nos últimos 10 anos, totalizando mais de 31 mil atualmente.

Arquitetura

No campo arquitetônico, a complexidade para distinguir áreas computáveis e não computáveis — como varandas e terraços – engessa projetos e leva à padronização de edifícios, prejudicando a criatividade. Incorporadores defendem uma simplificação das regras, permitindo maior liberdade de design e evitando a proliferação de “gambiarras”, como varandas que acabam sendo fechadas ilegalmente.

Segundo Slemenson, a utilização de varandas para aumentar o potencial construtivo de edifícios, conforme o código de obras, deixa a cidade com prédios muito parecidos. Por serem áreas consideradas abertas, as varandas não entram como áreas computáveis no potencial construtivo, deixando, portanto, maior possibilidade de criação de apartamentos.

“Legislações mais simples dariam mais liberdade. Há municípios no Brasil onde tudo que é privativo é computável (para a obra) e fim de papo. Aí, acaba essa história de fechar terraços”, diz.

Slemenson comenta também que a necessidade de ter plantas de tamanhos menores em apartamentos que antes teriam apenas plantas de grande porte levou à criação de empreendimentos com torres separadas para unidades menores, ou separadas de alguma forma, como as entradas e áreas comuns distintas.

“Isso é uma característica da ocupação definida pelo mercado, que é difícil a lei brigar com ela. Se a cidade fosse desenhada, seria mais fácil você definir em que lugares você faria habitações de um tamanho ou de outro”, diz.

O que diz a prefeitura de SP

Leia a seguir a íntegra da resposta da prefeitura de SP às críticas mencionadas na reportagem:

“A Prefeitura de São Paulo rechaça as críticas mencionadas pela reportagem e afirma que o Plano Diretor Estratégico é indiscutivelmente um planejamento urbano de longo prazo (2014 a 2029). Além disso, as diretrizes contidas nele seguem rigorosamente o Estatuto da Cidade e estão voltadas à sustentabilidade, integração social e adensamento de áreas com infraestrutura adequada.

As fachadas ativas qualificam a paisagem urbana, estimulam o comércio de rua e fortalecem a ocupação de imóveis. As revisões recentes do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento, além do Decreto nº 63.884/2024, aprimoraram esse instrumento. Até o momento, não há estudos conclusivos sobre as razões da vacância em alguns desses espaços, que pode estar relacionada a fatores econômicos, de localização ou de projeto.

A SMUL reforça que não há obrigação legal sobre o formato dos empreendimentos nem incentivo à locação temporária. A utilização de varandas como áreas não computáveis também é uma decisão de projeto arquitetônico, não uma exigência da Prefeitura. Já os recuos têm como objetivo garantir a salubridade das edificações.”

Fonte: Abecip – Por  Estadão– 30/10/2025

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