Após mais de uma década aberta aos carros, a rua Sete de Abril, no centro de São Paulo, voltará a ser exclusiva para pedestres. Prometida para as próximas semanas, a obra é considerada pela gestão Fernando Haddad (PT) um teste do modelo de calçadões que deve ser adotado na cidade –e que é alvo de resistência.

Organizações do centro criticam a volta das restrições aos carros, que, segundo eles, acelerou o êxodo de empresas e escritórios da região. O diretor de desenvolvimento da empresa municipal São Paulo Urbanismo, Gustavo Partezani Rodrigues, argumenta que havia um "baixo fluxo de veículos ali" e que essa visão é "conservadora". "Estamos aperfeiçoando o modelo dos calçadões", diz.

O calçadão que Haddad promete entregar no próximo mês terá novos bancos e piso alinhado em blocos, que podem ser retirados sem quebrar. Haverá lixeiras com containers subterrâneos e novo sistema de drenagem.

Balizadores retráteis controlarão o acesso de carros autorizados. Em 2005, na gestão do então prefeito José Serra (PSDB), a Sete de Abril foi reaberta aos carros, em outro projeto-piloto, que se estendeu também à rua 24 de Maio. "Colocaram um pouco de piche e retiraram a área do pedestre, depois de 30 anos. Mas quem se atreve a dirigir no meio das multidões que circulam na rua?", questiona Rodrigues.

Iniciada em setembro de 2015, a obra em dois quarteirões da rua Sete de Abril já deveria ter ficado pronta no mês passado. Ela está orçada em R$ 2,1 milhões. A prefeitura já manifestou interesse em, a partir do projeto-piloto na via, expandir esse modelo para outros pontos do centro paulistano.

Em abril, a gestão Haddad também chegou a bloquear, por uma semana, a passagem de automóveis e motos pelo viaduto do Chá. Questionada sobre uma adoção definitiva da medida, ela se limita a dizer que são "testes ainda".

O debate sobre o funcionamento dos calçadões existe desde setembro de 1976, quando os primeiros foram inaugurados pelo então prefeito Olavo Setúbal. Comerciantes diziam que haveria fuga de lojas e clientes para os shoppings, novidade então.

Novos terminais de ônibus e estações de metrô mantêm uma circulação estimada em 2 milhões de pedestres por dia, atravessando as ruas para fazer baldeações no sistema concentrado no centro. Garagens subterrâneas previstas não saíram do papel.

O superintendente da associação Viva o Centro, Marco Antonio de Almeida, afirma que a Sete de Abril aberta a carros era um "desafogo" de circulação. Ele reclama que, mais do que obras, a região dos calçadões precisa mesmo é de mais zeladoria.

"Não há fiscalização de horários para a entrada de viaturas e carros fortes, a manutenção do piso é muito ruim, assim como a coleta de lixo."

Para o diretor da Ação Local Piratininga, Carlos Beutel, que tem o restaurante vegetariano Apfel na Sete de Abril há 26 anos, a prefeitura "não ouviu ninguém" e só promoveu reuniões "quando já estava tudo decidido, para comunicar o projeto".

Morador do edifício Copan que promove caminhadas noturnas na região, ele acha que o centro de São Paulo precisa ser mais permeável. O modelo de calçadão que tem se expandido em várias metrópoles pelo mundo tem sido mais flexível que o retomado agora por Haddad.

A aposta em calçadões exclusivos para pedestres "não é a solução" para a decadência dessas ruas, às vésperas dos 40 anos de fechamento para carros, avaliam urbanistas ouvidos pela Folha.

"O pêndulo paulistano vai de um extremo ao outro. Passamos de uma prioridade absoluta de obras para carro para uma política anticarros", diz o arquiteto Milton Braga, professor da Faculdade de Arquitetura da USP (FAU-USP).

"Há um desequilíbrio [na área dos calçadões], com o chão superocupado, com muita gente andando e comércio popular, mas os andares altos estão subutilizados. Falta gente trabalhando ou morando ali", afirma Braga.

"Precisa virar um bairro normal, com mais residência e escritórios. É fundamental dar acesso aos carros dos habitantes, que precisam transportar cargas com conforto, malas e caixas, e muita gente com mobilidade reduzida."

O arquiteto Ciro Pirondi critica o modelo de não se deixar nenhum espaço para o automóvel. Ele é diretor da Escola da Cidade, faculdade de arquitetura a poucas quadras do Viaduto do Chá. "Permitiria uma pista para táxis e serviços. Se houver educação, é melhor compartilhar."

Pirondi diz que só se saberá do sucesso do novo calçadão, se a área for ocupada em outros horários. "Hoje é uma via de passagem, viva só entre 8h e 18h. Quando fecha o comércio, morre." Ele sugere um "trabalho de convencimento, de estímulo, para que bares, cafés e um mercadinho fiquem abertos à noite. Só gente na rua deixará a Sete de Abril segura", afirma.

PELO MUNDO

Nos anos 1970, quando eram novidade pelo mundo, havia cerca de 200 ruas exclusivas para pedestres nos EUA, segundo pesquisa do arquiteto Witold Rybczynski (a primeira foi aberta em 1957, em Kalamazoo, no Estado de Michigan). Nos anos 1990, o número tinha caído a apenas 30, especialmente em cidades universitárias ou turísticas.

Em Nova York, o então prefeito Michael Bloomberg dobrou as calçadas da Broadway e da Times Square, mas mantendo algumas faixas para a passagem de carros.

Na Europa, Copenhagen fez o primeiro grande calçadão nos anos 60, até hoje muito utilizado. Em outras cidades, como Florença, o centro histórico virou quase exclusivamente turístico.

A área pedestrianizada de Florença, de 120 mil m², uma das maiores da Europa, é menor que a do centro de São Paulo, de 130 mil m².

Respondendo às críticas, o arquiteto Gustavo Partezani Rodrigues, diretor da SP Urbanismo, empresa municipal responsável pela obra, diz que os calçadões já estão "sendo mais usados" e cita os "happy hours" de fim de expediente em bares na região.

Ele também afirma que "todo mundo faz compras sem carro" em ruas comerciais tradicionais, como a 25 de Março e a Santa Ifigênia.

Mas, para virar "bairro normal", Milton Braga, da FAU-USP, diz que só mesmo uma boa redistribuição do transporte coletivo da cidade, sem as baldeações de milhões de pessoas naquela área. "Incentivar também a abertura de mais galerias e passagens públicas nos térreos dos prédios, que multipliquem o espaço de circulação dos pedestres."

Elogiando o "piso melhor, o bom mobiliário e a aposta da prefeitura nos calçadões", o urbanista Carlos Leite, professor da FAU-Mackenzie, diz haver um movimento forte contra o carro como protagonista nas maiores cidades do mundo. Mas aponta um descompasso com as realizações.

"A obra de requalificação do Anhangabaú nem começou e o calçadão da Sete de Abril é uma parte minúscula. A prefeitura nem conseguiu abrir a Praça das Artes no Anhangabaú. O projeto é promissor, mas depois de quase quatro anos, é muito pouco."


Fonte: APeMEC, 29/05/2016