Em busca de viabilizar a criação do Renda Cidadã, o governo Jair Bolsonaro e líderes do Congresso Nacional discutem a possibilidade de propor cortes de incentivos tributários e renúncias em até 25%. A sugestão pode ser incorporada à proposta de emenda à Constituição (PEC) do Pacto Federativo, prevista para ser votada em dezembro. Segundo uma fonte envolvida, os cortes “provavelmente” não aconteceriam de maneira linear, seriam variáveis, mas preservariam, por exemplo, os optantes do Simples Nacional. Além disso, Executivo e Legislativo negociam o que está sendo chamado de “semidesindexação”, que valeria para pensões e aposentadorias acima de um salário mínimo.

A expectativa do governo é levar a matéria ao plenário do Senado entre os dias 8 e 10 de dezembro. Dessa forma, a proposta poderia ser analisada na Câmara dos Deputados na semana seguinte, ou seja, a partir do dia 15 de dezembro. Por se tratar de uma PEC, no entanto, o texto precisa ser aprovado em dois turnos. A promulgação da proposta seria uma sinalização importante para o mercado em relação ao comprometimento do governo com o equilíbrio fiscal em 2021.

“Nenhum percentual de corte [sobre incentivos] está definido”, explicou um interlocutor. “Provavelmente não serão cortes lineares”, complementou a fonte. A reportagem confirmou, no entanto, que a ideia seria aplicar reduções de 20% a 25% nesses incentivos concedidos. A operação ainda precisa de aval do Palácio do Planalto antes de ser apresentada publicamente. No Executivo, o tema está sendo debatido diretamente com o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.

A desoneração da cesta básica, um incentivo fiscal que chegará a custar R$ 17,6 bilhões em 2021, é uma das candidatas a sofrer com esses cortes. A informação é de uma fonte da área econômica. A lógica é que o incentivo fiscal seja cortado, mas devolvido à população mais pobre por meio do programa de transferência renda. Ficarão sem o desconto tributário as pessoas com renda mais elevada, que hoje são igualmente atendidas pela redução nos preços dos alimentos. Ou seja, a mudança servirá para focar mais esse gasto tributário.

A solução esbarra, entretanto, no teto de gastos, que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Na prática, o corte de incentivos e renúncias não abre espaço nas despesas públicas para que o governo possa gastar em novas frentes, como em um novo Bolsa Família. Como parte desse esforço, a PEC do Pacto deverá trazer obrigatoriamente os gatilhos para cortes de despesas obrigatórias, que envolvem custo com pessoal, algo que já era discutido na PEC Emergencial e será incorporado no texto final pelo relator da PEC do Pacto, Marcio Bittar (MDB-AC).

Outro tema que está na mesa de discussão, mais uma vez, é uma possível “semidesindexação”, algo que também chegou a ser cogitado há alguns meses e voltou à tona agora. Neste caso, o governo teria permissão para desindexar aposentadorias e pensões acima de um salário mínimo. Abaixo disso, os benefícios continuariam indexados, ou seja, teriam que ser reajustados pela inflação do período. A desindexação completa era uma proposta da equipe econômica no início das discussões, mas foi desautorizada pelo presidente Jair Bolsonaro após repercussão negativa. Na época, ele disse que o governo não iria aceitar o congelamento de aposentadorias.

Em caráter reservado, parlamentares não têm mostrado entusiasmo com a proposta de corte de subsídios. Segundo um parlamentar ouvido pelo Valor, o encaminhamento já chegará sob certa descrença. “A gente acabou de votar a prorrogação de um incentivo [desoneração]. E [essa proposta] não resolve a questão do teto. O governo fica soltando balão de ensaio, mas não tem plano”, criticou.

Ainda que não possa contar com o apoio automático das bancadas do Congresso, o governo tem ao seu lado o Tribunal de Contas da União (TCU). Recentemente, o órgão sugeriu justamente que sejam eliminadas isenções oferecidas a produtos da cesta básica. No entendimento dos técnicos do TCU e da unanimidade de seus ministros, a desoneração do PIS e da Cofins incidentes sobre a carne, a margarina ou o macarrão não está entregando os resultados esperados em termos de redução das desigualdades sociais e regionais.

O relatório aprovado pelo tribunal classifica como “incerto” o efeito desses incentivos sobre a redução dos preços desses e de outros itens, que também dependem de fatores sazonais, climáticos e ambientais do país.

Outro argumento aponta para os aspectos regionais dos subsídios, que estariam concentrados em empresas de grande porte localizadas nas regiões Sul e Sudeste, as mais ricas do Brasil.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Renan Truffi, Vandson Lima e Lu Aiko Otta - de Brasília, 25/11/2020