O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá iniciar nesta quarta-feira (24) a discussão sobre a constitucionalidade da nova lei do saneamento básico. Estão na pauta quatro ações que questionam diversos aspectos do novo marco legal - entre eles, a proibição de que estatais prestem os serviços nas cidades sem licitação. No mercado, a expectativa é grande. Embora atores do setor privado não apostem em um retrocesso, há uma apreensão devido à importância dos temas colocados em xeque.

“Desde o início, sabia-se que haveria recursos no Judiciário contra a lei. Após a aprovação no Congresso e a apreciação dos vetos, esta é a última etapa para consolidar o novo marco. Se o entendimento, como esperamos, for favorável [às mudanças da lei], haverá um salto em termos de segurança jurídica”, afirma Percy Soares Neto, diretor-executivo da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).

Das quatro ações que serão debatidas, duas partiram de partidos políticos. A terceira é da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae). O quarto processo - considerado o de maior peso e embasamento jurídico entre eles - foi protocolado pela Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).

A entidade, que reúne as empresas estaduais do país, pede basicamente que as estatais possam voltar a firmar contratos de programa (firmados com as prefeituras sem necessidade de licitação).

O principal argumento explorado pela Aesbe é que a Constituição permite a “gestão associada” ou “a transferência total ou parcial” de serviços públicos entre entes federativos, por meio de convênio de cooperação. Ou seja, uma lei ordinária não teria o poder de proibir a delegação dos serviços de saneamento básico dos municípios ao Estado, argumenta a entidade.

“Hoje, esse artigo da Constituição está prejudicado, porque não há mais como o município contratar diretamente com a companhia estadual”, afirma Neuri Freitas, presidente da associação. “Cabe ao município legislar sobre temas de interesse local. Por estar ‘na ponta’, ele é que vai saber se a melhor opção é prestar o serviço através de autarquia, concessão ou convênio de cooperação [com a estatal]”, diz o advogado Cezar Eduardo Ziliotto, responsável pela ação movida pela Aesbe.

Para Gustavo Magalhães, sócio do Fialho Salles Advogados, os argumentos trazidos nas outras três ações de inconstitucionalidade dificilmente terão sucesso, mas as questões trazidas pela Aesbe deverão gerar debate. Ainda assim, ele discorda do pleito, que considera um retrocesso.

“Apesar de ser um ponto relevante [trazido pela entidade], entendo que a nova lei não impede a contratação. A restrição é que seja celebrado um contrato sem licitação. Essa dispensa de concorrência, que foi derrubada pela lei do saneamento, estava prevista na lei de licitações, e não na Constituição. Então não vejo um problema”, afirma ele.

Na avaliação do advogado Rafael Vanzella, sócio do Machado Meyer, a votação traz duas preocupações. A primeira é com o teor da decisão em si e seu impacto em futuros projetos de saneamento. A segunda é, se acatado algum pleito, como será a modulação dos efeitos sobre os contratos existentes - ou seja, se projetos leiloados desde a aprovação da lei poderiam ser afetados.

“Em uma votação como essa sempre há temor. Causa apreensão sim, porque são vários artigos questionados e contratos grandes em curso”, diz ele.

Pela complexidade do tema, não há expectativa das partes de que a votação seja concluída rapidamente. Mas, mesmo que o julgamento se arraste, a previsão é que os leilões de saneamento devem continuar sendo realizados. O risco das ações deverá ser precificado, afirma Soares Neto. “A expectativa é que não haja uma descontinuidade. Mas, se houver algum revés, haverá uma repercussão muito ruim.”

Em paralelo a essas quatro ações, pautadas no STF para esta quarta, há outros questionamentos relativos à nova lei do saneamento em curso no tribunal. Parte dos processos colocam em xeque a governança dos blocos regionais - uma das inovações trazida pelo novo marco legal.

Além disso, a própria Aesbe tem outra ação que traz críticas específicas ao decreto de regulamentação da lei - que definiu os critérios para a comprovação econômico-financeira das estatais. As empresas criticam o prazo dado para a entrega dos documentos exigidos e algumas restrições impostas pelo texto.

No entanto, apesar dos diversos questionamentos em curso, as companhias públicas seguem trabalhando para se adequar à nova lei, segundo Freitas. “Independente do resultado, temos a consciência de que as empresas precisam ter capacidade econômica e eficiência”, diz.

 

Fonte: Valor Econômico - Empresas, por Taís Hirata — De São Paulo, 24/11/2021