Com a paralisação da pauta econômica no Congresso Nacional e a elevada incerteza quanto aos rumos da economia brasileira, o mercado tem pedido por prêmios de risco cada vez mais elevados. Esse processo tem deixado a curva de juros ainda mais inclinada - ou seja, a diferença entre os juros longos e os de mais curto prazo tem aumentado ainda mais nos últimos dias.

Levantamento do J.P. Morgan que considera as taxas dos títulos públicos em moeda local de 19 mercados emergentes mostra que, no fim da semana passada, a diferença entre os juros de longo prazo (dez anos) e de curtíssimo prazo (três meses) do Brasil atingiu 5,89 pontos percentuais e ultrapassou o nível da África do Sul, que agora está na segunda colocação, com um spread de 5,46 pontos. A inclinação da curva brasileira, assim, também supera outros emergentes, como México (1,12 ponto), Índia (2,83 pontos) e Colômbia (3,81 pontos).

“Uma das hipóteses que temos para o nosso cenário de crescimento em 2021 tem ligação com o crédito, que pode ser um instrumento muito importante na alavancagem do consumo. Se esse quadro de desconfiança muito grande em relação à trajetória fiscal se mantiver, a tradução disso no mercado se dará via prêmios de risco mais elevados nos juros de longo prazo, o que acaba tendo impacto negativo sobre o crédito, prejudicando um dos canais importantes na determinação do crescimento em 2021”, diz Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos.

Ontem, a desconfiança em relação à sustentabilidade das contas públicas permaneceu no foco do mercado e levou a taxa do DI para janeiro de 2025 a subir de 6,95% para 7,04% na B3, enquanto a do DI para janeiro de 2027 foi de 7,74% a 7,81%.

O comportamento dos juros futuros foi semelhante ao observado no câmbio, com o dólar encerrando negociado a R$ 5,4310, em alta de 0,83%. O componente externo também esteve presente nos mercados, já que os sinais de uma recuperação mais forte da economia dos Estados Unidos estimularam uma correção do dólar no globo, enquanto os retornos dos Treasuries se ajustaram em alta.

Ao menos no curto prazo, o processo de maior inclinação da curva de juros se mantém em vigor. Os economistas do Santander dizem esperar que a incerteza, a inclinação e a volatilidade da curva de juros continuem elevadas nas próximas semanas. Em relatório, eles apontam que fatores locais “parecem ter sido preponderantes” para o aumento da diferença entre os juros longos e os de curto prazo.

O Santander entende que o Brasil tem pela frente “conjuntos binários de cenário macro”. Os economistas apontam em relatório que ou a credibilidade do teto de gastos será mantida, o que pode levar a um rali de alívio nos ativos, ou haverá mudança no regime fiscal. Caso esse segundo cenário se materialize, o banco diz acreditar na chance de novas rodadas de forte aumento das taxas futuras de juros.

Newton Rosa, da SulAmérica, nota que as incertezas a curto prazo se mostram bastante elevadas devido a questões relativas ao programa de transferência de renda que o governo deseja implementar. “Acho difícil o governo abrir mão de uma extensão do auxílio emergencial, já que ganhou popularidade”, afirma.

Para ele, a dificuldade do governo na criação de um programa de renda básica que atue como sucessor do auxílio emergencial pode dar lugar a programas arriscados. Rosa cita, por exemplo, uma saída via crédito extraordinário. “Seria legal, mas arriscado, já que deterioraria a percepção do mercado em relação à sustentabilidade fiscal. E, com as expectativas de inflação também se deteriorando, talvez o Banco Central se visse obrigado a elevar os juros antes do fim de 2021.”

No fim da tarde de ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a ideia continua a ser encerrar o programa de auxílio emergencial em 31 de dezembro. Ele também classificou como “precipitação” a admissão de que o Brasil enfrenta uma segunda onda de casos de covid-19 e de que por isso o auxílio emergencial precisaria ser estendido.

Para Ricardo Cará Monteiro, sócio e gestor da Macro Capital, a comparação entre as curvas de juros de mercados emergentes mostra a importância da necessidade de uma situação fiscal mais sustentável. “O Brasil foi um dos países emergentes que mais fizeram esforços neste ano no combate à pandemia e agora o mercado quer entender como ficará essa questão no ano que vem. O prêmio de risco está elevado porque o mercado não consegue enxergar uma solução para as contas públicas.”

O gestor avalia que o prêmio embutido na curva juros é elevado e aponta para a precificação de Selic em 5,5% no fim do próximo ano. “Estamos falando de uma elevação em torno de 3,5 pontos nos juros. É algo muito alto. E não é só o vetor fiscal que faz parte dessa equação, já que a inflação também não tem dado muito refresco e há dúvidas sobre como ela irá se comportar na virada do ano”, afirma Monteiro.

O Boletim Focus de ontem mostrou que a mediana das projeções para o IPCA em 2021 subiu de 3,22% para 3,40%, enquanto o centro da meta de inflação é 3,75%.


Fonte: Valor Econômico - Finanças, por Victor Rezende e Marcelo Osakabe - de São Paulo, 24/11/2020