Cerca de 6% dos municípios brasileiros cumprem os requisitos do novo marco legal do saneamento para a prorrogação de seus contratos com as atuais prestadoras de serviço. Das 5.570 cidades, apenas 343 já têm um índice de cobertura acima de 90% para o abastecimento de água e de 60% para a coleta e o tratamento de esgoto, segundo uma radiografia do setor feita pelo governo.

Os números dão uma ideia do impacto que a nova legislação pode trazer às companhias de água e esgoto, principalmente públicas, que podem perder seus negócios e enfrentar riscos à sua própria existência. Já o governo federal encara esses números como uma evidência de que os serviços hoje são muito ruins e justificam maior abertura à concorrência.

O projeto de lei com uma reforma no marco legal do saneamento básico deve ser votado no plenário da Câmara até o fim deste mês.

A essência do projeto é vedar novos contratos de programa (que as prefeituras normalmente assinam de forma direta com as companhias estaduais de água e esgoto) e privilegiar a figura dos contratos de concessão (com a obrigatoriedade de concorrência pública e maiores chances de participação da iniciativa privada).

Os atuais contratos de programa que vencem até 2033 podem ser prorrogados por cinco anos, no máximo, contanto que cumpram esses dois requisitos: 90% de abastecimento de água e 60% de esgoto tratado. O que não se sabia, com dados precisos, era como esse sarrafo é difícil de alcançar.

Dos 343 municípios que ultrapassam a linha de corte, os serviços de saneamento são operados da seguinte maneira: 230 sociedades de economia mista (como a paulista Sabesp e a paranaense Sanepar), 80 autarquias, 31 companhias privadas e duas públicas.

Para o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Marcus Vinícius Neves, o projeto pode desestruturar o mercado e jogar contra o desejo do governo: a universalização dos serviços.

Na avaliação de Neves, é incorreto pegar números isolados, município por município, dos contratos de programa. Recorre à experiência da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), que ele também preside, para ilustrar como cidades maiores já conseguiram superar os requisitos exigidos de tratamento de dejetos. João Pessoa e Campina Grande processam, respectivamente, 77% e 88% do esgoto que produzem. “Elas representam, juntas, mais de um terço de toda a população urbana do Estado.”

Outras localidades menores, como Cajazeiro e Santa Rita, ainda não chegaram lá. Isso mostra, segundo Neves, uma das supostas inconsistências do modelo defendido pelo governo: municípios médios e pequenos não terão viabilidade, sozinhos, para expandir seus serviços sem as receitas de cidades mais lucrativas.

Outra crítica é que, se for justamente uma cidade superavitária a perder o contrato, as companhias estaduais ficarão sem condições de atender às pequenas.

O governo federal discorda e, por isso mesmo, defende mecanismo pelo qual as Assembleias Legislativas deverão aprovar blocos estaduais misturando “filé com osso” na licitação dos serviços.

 

Fonte: Valor-Brasil, por Daniel Rittner - de Brasília, 11/11/2019