Personagem relevante na crise de uma década atrás, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) tem se mantido quase invisível na turbulência de agora. Bancos capitalizados, ampla liquidez global e novos mecanismos de captação de recursos vêm ajudando a mitigar os riscos do sistema financeiro na pandemia.

O último caso em que a cobertura do FGC precisou ser acionada se deu em fevereiro, quando a financeira Dacasa teve seu processo de liquidação extrajudicial decretado pelo Banco Central (BC). Foi antes, portanto, de o coronavírus começar a fazer estrago na saúde e na economia brasileira.

A calmaria de agora, entretanto, não é sinônimo de que o pior já passou. “As placas tectônicas ainda estão se movendo”, afirma o diretor-executivo do FGC, Daniel Lima, ao Valor. “É cedo para tirar grandes conclusões.”

De acordo com ele, o pagamento do auxílio emergencial e as prorrogações dos contratos de crédito oferecidas pelos bancos deram fôlego à economia, mas o cenário ainda inspira cuidados. É preciso esperar para ver como o mercado se comportará sem esses incentivos - o que só ficará mais claro no ano que vem.

Apesar das dúvidas, Lima ressalta que há um “certo conforto” com o cenário atual porque os bancos estão fazendo um bom trabalho de gestão da crise e de suas posições de capital.

Como não houve uma quebra de confiança nas instituições financeiras - diferentemente do que se viu na crise de 2008 -, a liquidez dos bancos até aumentou durante a pandemia. A volatilidade na bolsa e no mercado de crédito privado fez com que muitos investidores buscassem a segurança dos CDBs. Um exemplo: o Santander, que já divulgou o balanço do terceiro trimestre, viu sua base de depósitos à vista crescer 95,6% em um ano até setembro. Os depósitos a prazo avançaram 48,5% no período. Em maior ou menor grau, foi assim no setor de forma geral.

Na avaliação de Lima, a confiança dos depositantes no próprio mecanismo do FGC também ajuda a dar tranquilidade ao sistema. Em casos de intervenção ou liquidação judicial, o fundo garante até R$ 250 mil por CPF aplicados em instituição financeira. Há um teto de R$ 1 milhão para cada quatro anos. O FGC é um órgão privado mantido por contribuições dos bancos.

Nos primeiros meses da crise, o fundo atuou para reforçar a cobertura de investidores de Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGE), em linha com a estratégia do BC de estimular a emissão desses instrumentos pelos bancos. O regulador autorizou as instituições financeiras a comprar títulos dessa modalidade emitidos por outros bancos, com cobertura de até R$ 400 milhões pelo fundo garantidor.

Mesmo assim, o “novo DPGE”, anunciado pelo Banco Central no início da pandemia, atraiu até agora apenas R$ 19,6 bilhões em emissões, feitas por 73 instituições financeiras - principalmente, bancos pequenos e médios. O regulador via um potencial de até R$ 200 bilhões para a medida. O custo alto, a disponibilidade de outras fontes e a ausência dos fundos de investimentos (que passaram meses às voltas com pedidos de resgates) reduziram a atratividade.

Os bancos têm preferido outras fontes de captação, como as letras financeiras garantidas, além de terem atraído volumes recordes de depósitos à vista e a prazo. “Com distribuição pelas plataformas de investimento, o mercado hoje é muito menos dependente de um instrumento como o DPGE”, afirma Lima.


Fonte: Valor Econômico - Finanças, por Talita Moreira - São Paulo, 29/10/2020