O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central surpreendeu boa parte do mercado ao adotar um discurso mais leniente em relação às surpresas inflacionárias de curto prazo e ao manter a opção de aplicar novos cortes de juros. Diante da mudança recente na trajetória de inflação e dos riscos fiscais, havia a expectativa de que a autoridade monetária retirasse menções a possíveis estímulos adicionais, mas o colegiado apenas calibrou a indicação e manteve a possibilidade na mesa, segundo especialistas.

“Nós, em particular, achávamos que isso seria retirado, porque dentro do contexto de inflação de curto prazo mais elevada, [o Copom] poderia julgar que o espaço remanescente não existe mais. Apesar de dizer que é remoto e pequeno, o espaço foi mantido”, afirma Carlos Kawall, diretor do Asa Investments.

Segundo o economista, a decisão de manter essa opção pode ter sido influenciada pelo cenário mais adverso nas bolsas no Brasil e exterior, já que uma demora na recuperação econômica mundial adiciona um elemento desinflacionário e afeta os preços das commodities. “As medidas de ‘lockdown’ na França e Alemanha são bastante duras e é evidente que isso vai impactar a recuperação da Europa. Além disso, há aumento dos casos nos EUA, o que também preocupa”, diz.

Ontem, o Copom manteve a seguinte frase no comunicado: “o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno”. Porém, retirou o trecho subsequente que aparecia na ata passada. Nele, o colegiado dizia que “eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional”.

Na avaliação de Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine, essa mudança deixa um possível corte de juros “mais como opção do que como um viés”. A diferença é bem sutil e indica que a probabilidade de exercer a opção é menor. No entanto, o Copom ainda mantém uma certa margem de manobra caso precise dar uma estímulo à economia.

A postura do Copom, ao indicar que vê um choque temporário na inflação, também deve servir para amenizar preocupação com uma elevação da Selic no curtíssimo prazo, algo que vinha ganhando espaço nas discussões sobre política monetária e nos preços dos ativos financeiros.

“Fizeram um comunicado excelente para amenizar o pânico no mercado sobre inflação, que, na minha opinião, estava exagerado. Acho que é um movimento de nível de preços por causa de alimentação, como aconteceu em outros momentos. Não é um processo de alta inflacionária”, explica Alexandre Ázara, economista-chefe da Mauá Capital.

Ao manter o arcabouço de sua comunicação, em vez de adotar grandes mudanças no discurso, o Banco Central agiu como um “bombeiro” para amenizar as preocupações sobre a trajetória recente da inflação, afirma Ricardo Denadai, economista-chefe da ACE Capital. O profissional mantém projeção de Selic a 2% por um período prolongado e explica que a continuidade desse patamar vai depender das definições fiscais no fim do ano.

Para Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, o que coloca em risco a manutenção da Selic em 2% é o lado fiscal. “O próprio BC coloca isso no comunicado como chave. A princípio, o cenário [econômico] está difícil, mas o custo de abandonar [disciplina fiscal] é muito grande”, acrescenta.


Fonte: Valor Econômico - Finanças, por Lucas Hirata e Marcelle Gutierrez - São Paulo, 29/10/2020