Fornecedores do governo federal poderão, a partir da semana que vem, tomar crédito oferecendo em garantia os contratos ativos que têm com a União. A medida tem potencial para movimentar cerca de R$ 39 bilhões na forma de antecipação de recebíveis, conforme projeção do Ministério da Economia.
O projeto já estava em discussão desde o início do ano passado, mas foi acelerado durante a pandemia. “É uma forma de injetar dinheiro para as empresas, especialmente as pequenas, sem gastar dinheiro da União. A operação é totalmente privada”, afirma o secretário de Gestão do Ministério da Economia, Cristiano Heckert. “Sabemos que as compras movimentam um volume expressivo. Por isso, o objetivo é oferecer uma alternativa de crédito a essas companhias.”
A operação será digital, feita por meio de uma plataforma batizada de AntecipaGov. As empresas que têm recebíveis da União registram no site o número desses contratos. De posse dessas informações, bancos e marketplaces credenciados pelo governo poderão fazer propostas às companhias para antecipar esses valores. Estas escolherão a que mais interessar. Taxas e prazo serão livremente pactuados.
Os fornecedores poderão antecipar até 70% do valor dos contratos ativos. Como atualmente há cerca de R$ 56 bilhões em operações vigentes, o volume potencial de crédito é de R$ 39,2 bilhões. Essas cifras poderão crescer com a adesão de estatais, outros órgãos federais, Estados e municípios à plataforma. Segundo Heckert, a possibilidade está aberta a todas as entidades que atuam por meio do Comprasnet, o portal de compras da União - um universo de mais de 2 mil órgãos públicos.
No ano passado, o governo federal realizou 103 mil processos de compras, em operações das mais variadas características e portes. “Costumamos dizer que as compras vão de alfinete até foguete”, diz o secretário.
Até agora, foram habilitadas sete instituições para oferecer crédito por meio do AntecipaGov: os bancos Daycoval, Sofisa e Industrial do Brasil; a cooperativa Sicoob; as sociedades de crédito HSCM e Socred; e as gestoras de plataforma de crédito Antecipa Fácil e Broadfactor. As duas últimas, por sua vez, funcionam como markeplaces, o que significa que trazem junto com elas outros potenciais financiadores.
“A plataforma tem potencial para fomentar o crédito a pequenas empresas ao agregar multifinanciadores e reduzir a assimetria de informações”, afirma Elber Laranja, fundador da Antecipa Fácil. Segundo o empreendedor, a iniciativa ataca um problema frequente para companhias de menor porte - a dificuldade de oferecer bens em garantia para ter acesso a propostas de crédito com taxas mais baixas.
A União tem 33 mil empresas cadastradas em sua base de fornecedores. Desses, 6,6 mil são de pequeno porte - com capital de até R$ 5 milhões. De acordo com o ministério, essas companhias representam R$ 12 bilhões em contratos vigentes, que poderão resultar na antecipação de R$ 8,4 bilhões.
As empresas que contratarem crédito na plataforma criarão uma conta vinculada, para a qual serão destinados os pagamentos dos serviços prestados ao governo federal. A movimentação dessa conta ficará a cargo da instituição financeira que conceder os recursos. Caberá a ela recolher o dinheiro referente às parcelas. “Múltiplos contratos podem ser usados como garantia de uma operação”, explica Laranja. “E empresas negativadas também podem acessar a plataforma.”
O risco de atrasos é considerado baixo, segundo o empreendedor, já que o governo federal costuma pagar em dia. A situação deve mudar com a adesão de Estados e municípios à plataforma, pois muitos têm histórico de postergar pagamentos. “Mas isso será precificado pelas instituições financeiras nas operações”, diz o fundador da Antecipa Fácil.
O modelo adotado pelo Ministério da Economia corre em paralelo à regulamentação, pelo Banco Central (BC), das duplicatas eletrônicas. Conforme o projeto já aprovado pela autoridade monetária, esses recebíveis serão chancelados por centrais registradoras, e então poderão ser usados livremente pelas empresas como garantia de operações de crédito.
Por causa das semelhanças, havia a expectativa de que o AntecipaGov adotasse o modelo das duplicadas escriturais registradas. No entanto, o caminho escolhido foi outro, para decepção de parte do setor que atua com antecipação de recebíveis, que via a possibilidade de os recebíveis gerados pelas compras do governo serem negociados com maior liberdade pelos fornecedores.
Segundo Heckert, o ministério chegou a conversar com o BC, mas concluiu que os recebíveis gerados pelas compras do governo federal têm uma lógica própria, e o trâmite não é exatamente o mesmo de uma duplicata. No caso da plataforma, a autenticidade e a unicidade dos ativos será feita pelo próprio sistema do Serpro - a estatal de tecnologia da União - e não por registradora.
Fonte: Valor Econômico - Finanças, por Talita Moreira - de São Paulo, 22/10/2020