Todos os candidatos a presidente da República desde 2002 prometeram transformar a intermediação e todos os eleitos fracassaram. A taxa média do cheque especial, que estava em 158% ao ano então, está em 303% agora. O Brasil inteiro torce para que desta vez possa ser diferente.

Para isso, deveria haver um entendimento preciso das raízes dos problemas. De maneira simplista, a maioria dos analistas atribui à concentração do setor o determinante principal. Não é. As causas são várias e distintas. Com um diagnóstico equivocado, não se avança e os problemas se agravam.

Os números da concentração no Brasil, quando comparados a outros países, estão na mediana e assinalam que os cinco maiores bancos aqui têm uma participação menor do que na África do Sul, na Austrália e na Dinamarca que mostram margens (spreads) pelo menos onze vezes menores.

Ordenando os 130 bancos no Brasil que publicaram demonstrações no primeiro semestre por rentabilidade patrimonial, os cinco maiores ficaram em média na 28ª posição. Portanto, atrás de outras instituições menores. As Fintechs foram apontadas como uma solução. É fato, algumas conseguem operar com modelos de negócios melhores e taxas mais baixas, contribuindo para uma intermediação mais responsável, mas há também as que operam com juros acima dos 300% ao ano e são o mais do mesmo que asfixia a economia brasileira.

No primeiro semestre deste ano, o total dos juros pagos por operações de crédito ao Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi de R$ 276,7 bilhões. Equivalem a 8,3% do PIB. A esse montante devem ser acrescentados porções das receitas de tarifas e serviços que são cobradas nas concessões de financiamentos, que totalizaram 2,4% do PIB, e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que é cobrado por fora.

O setor não financeiro gasta mais financiando suas dívidas, do que o setor público consolidado (6,2% do PIB), mais do que o total da produção agrícola e a mineral do país somada (7,8% do PIB), e mais do que a soma do PIB de onze Estados da Federação (7-%). É um volume muito grande de juros sobre uma relação crédito/PIB baixa que emperra a retomada do país.

As margens (spreads) de juros brasileiras são as maiores do mundo, 6,7 vezes mais altas do que em outros países de renda similar. É um problema agudo e crônico. Desde 1997 quando a estatística começou a ser divulgada pelo Banco Mundial, o Brasil ocupou a primeira colocação por oito anos. O problema piorou aqui, enquanto melhorou no resto do mundo.

A demonstração de resultados consolidada do SFN ilustra sua disfuncionalidade. De cada um Real de receita total, 55 centavos são gastos em pagamentos de juros e impostos, 24 centavos em despesas de pessoal, administrativas e outras, 10 centavos são perdas de crédito e 11 centavos viram lucro líquido. Esses números ilustram dois pontos.

O primeiro é sobre a ganância dos banqueiros. Não é maior do que a dos industriais ou dos comerciantes. A margem líquida (lucro líquido/receita total) da intermediação financeira brasileira é de 11% comparável à de outros setores da economia nacional e a de outros sistemas bancários no mundo. Mostra que a causa não é a avareza, como é apontado por muitos, mas sim a incrível capacidade de não mudar.

O segundo ponto é a ineficiência da intermediação. Apenas 39,6% dos ativos do sistema financeiro consistem de operações de crédito, os 60,4% restantes rendem menos, abaixo do custo de captação. O nível de liquidez dos bancos brasileiros está entre os mais altos do mundo. Isso pressiona os custos de carregamento, exigindo taxas e tarifas mais altas.

Em média os ativos de liquidez, leia-se títulos da dívida pública e aplicações compulsórias, ocupam 29,6% do balanço do sistema no Brasil, enquanto que na África do Sul, 3,5%, na Austrália, 1,0%, na Colômbia, 6,2% e na Dinamarca, 3,7%. A razão é que a política bancária nesses países é de intermediação, não de um veículo para carregamento da dívida pública.

Exigências de liquidez elevadas, baixa operância do redesconto, encaixes compulsórios, créditos tributários, uma tributação complexa e regressiva são uma maneira míope de ajudar as finanças públicas, que tornam a intermediação brasileira uma das mais ineficientes do mundo. Note-se que a há bancos que operam no exterior com taxas onze vezes menores do que aqui com a mesma rentabilidade. A explicação para o desempenho está na política adotada.

Aqui conseguiu manter a solidez e rentabilidade bancária, assim como encolher a relação crédito/PIB e empurrar a inadimplência para fora do sistema financeiro. Atualmente, anotações de atraso nos birôs de crédito estão no pico histórico, onde mais de três quartos são registradas por empresas de outros setores.

O problema é agravado com as novas regras de execução de garantias. Induzem a esforços para acelerar a inadimplência em vez de priorizar a solvência dos tomadores. São dezenas de milhares de imóveis, leiloados às vezes com deságios de 50% do valor ou mais.

O recém aprovado consignado com o FGTS como garantia é outro exemplo de como não fazer política de crédito. A linha de financiamento que usa como colateral a poupança compulsória do trabalhador depositado na Caixa Econômica Federa, que rende 5% ao ano, vai custar aos tomadores 51,1% ao ano acrescido do IOF.

Uma política de intermediação adequada ajudaria o país neste momento em que a economia está frágil e o ambiente internacional preocupa. São necessárias correções na indexação, na precificação de operações, nos créditos direcionados, no câmbio, na responsabilização, na remoção do entulho inflacionário, no cadastro, na renegociação de dívidas, na gestão de liquidez, na transparência, nos modelos de negócios e na tributação.

São todas variáveis que podem ser ajustadas pelo Banco Central do Brasil e pela Secretaria do Tesouro Nacional. A dinâmica da dívida pública melhoraria, o emprego aumentaria, os bancos lucrariam mais e o país estaria mais resiliente. Mas não. Surpreende como insistem em fazer mais do mesmo que não resolve.

Roberto Luis Troster é economista. Correio:
robertotroster@uol.com.br.

Fonte: Valor - Opinião, por Roberto Troster, 16/10/2018