O Brasil deverá atingir em 2020 o segundo maior nível de dívida pública de um grupo de 40 países emergentes e de renda média, segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nas projeções do FMI, o endividamento bruto brasileiro alcançará a marca de 101,4% do PIB, atrás apenas dos 120,3% do PIB previstos para Angola, e muito acima dos 62,2% do PIB esperados para a média desse grupo de economias. O número deve ficar em 61,7% do PIB na China, em 89,3% do PIB na Índia e em 65,5% do PIB no México. Nas projeções do Fundo, o Brasil terá déficits primários até 2025.

Pelas estimativas do Fundo, o Brasil terá a maior dívida bruta das economias emergentes e de renda média em 2022, quando o indicador deverá ficar em 103,5% do PIB, ao passo que a de Angola recuará para 93,8% do PIB. Os números fazem parte do Monitor Fiscal, divulgado ontem na íntegra. O documento indica que o endividamento bruto brasileiro crescerá até 2025 (data da última projeção que consta do texto), quando deverá bater em 104,4% do PIB. A dívida bruta é um dos principais indicadores de solvência fiscal acompanhado pelos analistas.

Em 2019, o endividamento bruto do Brasil ficou em 89,5% do PIB, de acordo com os número do Fundo, que adota uma metodologia diferente da usada pelas autoridades brasileiras para o cálculo do indicador. O FMI inclui na conta os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC), ao passo que, pelo critério brasileiro, esses papéis não são considerados. Em 2019, a dívida bruta do país ficou em 75,8% do PIB pela metodologia usada pelo BC. O FMI espera que, pelo critério brasileiro, o endividamento bruto fique em 99% do PIB neste ano.

A situação fiscal de países emergentes e desenvolvidos piorou de modo generalizado em 2020 devido ao impacto da covid-19, que levou ao aumento das despesas públicas e à queda das receitas. Nos países avançados, o endividamento bruto vai subir de 105,3% do PIB em 2019 para 125,5% do PIB em 2020, enquanto o dos emergentes deve crescer de 52,6% do PIB para 62,2% do PIB, estima o FMI.

O Monitor Fiscal também mostra uma forte piora do déficit público brasileiro neste ano. O rombo primário (que exclui gastos com juros) deve subir de 1% do PIB em 2019 para 12% do PIB em 2020, enquanto o da média dos emergentes ficará em 8,8% do PIB, prevê o Fundo. Para o ano que vem, o FMI espera um déficit primário de 3,1% do PIB. Nas contas do Fundo, o Brasil deve apresentar resultados primários no vermelho até 2025 - o limite do horizonte das projeções -, quando o buraco deverá ser de 0,1% do PIB. A expectativa é de deterioração expressiva também do déficit nominal, que considera despesas com juros. Nesse caso, o rombo deve pular de 6% do PIB em 2019 para 16,8% do PIB em 2020, bem acima da média dos emergentes, de 10,7% do PIB.

Em entrevista para comentar o Monitor Fiscal, o diretor do departamento de Assuntos Fiscais do Fundo, Vitor Gaspar, disse que o teto de gastos tem um papel importante a desempenhar para que o Brasil mantenha a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. Ele elogiou a resposta fiscal dada pelo governo à crise provocada pela covid-19. Segundo o diretor do FMI, as medidas adotadas desde o início da pandemia permitiram que 23 milhões de brasileiros evitassem a pobreza.

No entanto, o país agora enfrentará um dilema sobre como manter esse apoio fiscal sem enfrentar riscos relacionados ao endividamento. Na avaliação de Gaspar, a saída é enfatizar políticas que garantam a sustentabilidade das contas públicas nos próximos anos. “O teto de gastos tem um importante papel a desempenhar como âncora fiscal de longo prazo.”

Para o diretor do FMI, o Brasil também deve continuar a promover as reformas que já estavam sendo discutidas pelo Congresso antes mesmo da pandemia. “Essa é uma agenda poderosa que, de fato, deve ser perseguida”, afirmou Gaspar.

Com muitos trabalhadores ainda desempregados, pequenas empresas em dificuldades e a perspectiva de que 80 milhões a 90 milhões de pessoas caiam na extrema pobreza em 2020 por causa do impacto da covid-19, é muito cedo para os governos retirarem o “apoio excepcional” à economia, disse ainda ontem o FMI. “No entanto, muitos países terão que fazer mais com menos, devido a restrições orçamentárias crescentemente mais apertadas”, apontam Gaspar e os economistas Paulo Medas, John Ralyea e Elif Ture em texto a respeito do Monitor Fiscal.

Segundo eles, à medida que as economias começam a reabrir, mas a incerteza sobre a pandemia permanece, os governos devem garantir que o apoio fiscal não seja retirado rápido demais. “No entanto, ele deve se tornar mais seletivo e evitar ficar no caminho da realocação setorial necessária, uma vez que a atividade retome”, afirmam eles.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Sergio Lamucci e Lucas de Vitta - São Paulo, 15/10/2020