As novas regras da Previdência, em vias de serem aprovadas pelo Congresso, reforçam a necessidade e urgência de uma reforma administrativa, segundo avaliações internas do governo. O argumento é que, na sistemática atual das carreiras do setor público, muitos servidores rapidamente chegam ao topo salarial. Com a reforma da Previdência, estes devem se aposentar mais tarde, com 65 anos. Se as regras de promoção não forem revistas, os funcionários públicos ficarão muito mais tempo recebendo o teto de suas carreiras.

Além de impor um elevado custo salarial para a União por mais tempo, esse quadro tende a desestimular a já baixa produtividade do serviço público. Afinal, chegando ao topo salarial ainda no meio da carreira, a tendência é que as pessoas se acomodem. “A situação já era grave com as pessoas se aposentando cedo, aos 52, 55 anos, agora aumenta a urgência porque o servidor poderá ficar mais de 20 anos recebendo o maior salário”, diz uma fonte.

Esse é um dos fatores que reforçam a opção do governo por enviar ao Congresso medidas como a elevação da distância entre salários iniciais e finais dos servidores e maior prazo para progressões dentro das diversas carreiras.

O governo enxerga a rápida ascensão salarial dos servidores, que hoje levam entre dez e 15 anos para atingir o pico salarial, com uma verdadeira “disfunção”. Além da velocidade, existe o problema de que esse processo de promoção pouco segue critérios realmente de mérito. “Todo mundo chega de forma inercial no topo da carreira, não precisa se empenhar para isso”, comenta a fonte. “Hoje, menos de 4% dos servidores estão em carreiras com amplitude de 30 anos [entre salário inicial e final]”.

O Banco Mundial divulgou estudo com uma radiografia sobre a folha de pagamentos do setor público, mostrando entre outras coisas os excessos remuneratórios e promoções sem mérito. O governo fez estudo próprio que chegou a conclusões semelhantes, inclusive sobre o fato de que o grande volume de aposentadorias de funcionários previsto representa uma janela de oportunidade para mudar o sistema atual.

A fonte explica que a reforma da Previdência também afeta esse quadro, ao fomentar uma antecipação de aposentadorias. Neste ano, até agosto, mais de 28 mil requisitaram a inatividade, número quase 50% superior ao verificado em todo o ano de 2018 e marca recorde da série. Ou seja, a janela para a reforma administrativa está sendo antecipada.

Para o governo, além do diagnóstico sobre remuneração e promoções, o grande problema é a enorme multiplicidade de planos, carreiras e cargos, com muita fragmentação e sobreposição. Além disso, são muitas as carreiras que fazem a mesma coisa em órgãos diferentes, recebendo remunerações diferentes, sem mobilidade dentro da administração federal. Na contabilidade do governo, são 117 carreiras. “É absolutamente inadministrável”, diz a fonte.

Assim, o governo quer, na reforma, extinguir carreiras de nível auxiliar e priorizar as nível superior, mas reduzindo drasticamente a quantidade delas. A intenção é criar carreiras que possam atender qualquer ministério, a partir de uma gestão da folha de pagamentos mais eficiente, que identifique as necessidades de cada momento.

A equipe econômica estuda modelos como a possibilidade de entrada em meio de carreira (“entrada lateral”), como já propôs o Banco Mundial. Não é tão simples, explica a fonte, mas o caminho está sendo estudado como forma de atrair trabalhadores qualificados do setor privado sem que se tenha que reiniciar no serviço público.

As mudanças podem ser feitas por projeto de lei ou por lei complementar, caso o governo opte politicamente por também contemplar os Estados na reforma administrativa, decisão que ainda não está tomada.


Fonte: Valor - Brasil, por Fabio Graner | de Brasília, 11/10/2019