Idealmente, o período eleitoral é o momento de refletir sobre como políticas públicas podem ser aprimoradas. No que tange às políticas monetária e cambial, não havia por que esperar muita discordância, uma vez que a inflação está sob controle, e a taxa de câmbio, a despeito da recente depreciação, não vem causando grandes problemas, como em 2002 ou 2008.

Ledo engano! Muitas propostas que vêm sendo debatidas chocam-se frontalmente contra tudo que se aprendeu em Economia sobre boas práticas para as políticas monetária e cambial, práticas estas que vêm dando certo no Brasil. Tais propostas, se implementadas, constituirão grave retrocesso.

Afinal, como dizia Bertrand Russel, por que cometer erros antigos se há tantos erros novos a escolher? O principal equívoco diz respeito à defesa do duplo mandato para o Banco Central. 

O argumento é que o FED e o Banco Central Europeu adotariam o duplo mandato, e que, portanto, deveríamos fazer o mesmo. Tal alegação não é  verdadeira, mas isto é detalhe. Vamos analisar o âmago da questão.

Por duplo mandato se entende que, ao decidir sobre a taxa de juros, os bancos centrais levariam em conta tanto a inflação, quanto o crescimento econômico. A ideia parece sensata. E de fato é, quando devidamente interpretada.

Há décadas aprendeu-se que não se pode aumentar a taxa de crescimento do PIB via juros excessivamente baixos, porque as expectativas dos agentes afetam os resultados das medidas de política econômica. Na economia, ao contrário da física, o átomo pensa, fala e reage! Inicialmente, as firmas e trabalhadores respondem aos juros excessivamente baixos produzindo mais, assim aumentando o PIB. Mas, com o tempo, aprendem que a inflação ficou maior e ajustam suas expectativas, aumentando preços e salários. A inflação sobe e o efeito expansionista sobre o PIB não se sustenta. A médio prazo, juros excessivamente baixos acabam por gerar apenas mais inflação, sem aumentar o crescimento da economia.

Isso, contudo, não quer dizer que bancos centrais ignorem o efeito de curto prazo de suas decisões sobre o PIB. Não seria boa prática, por exemplo, frente a eventual surto inflacionário, aumentar muito os juros para debelar muito rapidamente a inflação, causando forte queda no PIB. Os bancos centrais levam isso em consideração em suas decisões.

Totalmente diferente é a proposta de que o Banco Central deva guiar a política monetária com o objetivo de atingir o pleno emprego. Tal mudança na política monetária acabaria por gerar apenas inflação mais alta, sem aumentar o crescimento a médio prazo.

Pior ainda é a ideia de subordinar as decisões de política monetária ao presidente da República, eliminando a autonomia de fato do Banco Central do Brasil para cumprir as metas de inflação. Recentemente, vimos como a ingerência dos governos turco e argentino em seus respectivos bancos centrais acabou por provocar grande aumento da inflação, acompanhado de forte queda na taxa de crescimento.
 
Ideia de cepa igualmente ruim é a de aumentar o número de membros do Conselho Monetário Nacional (CMN), atualmente composto pelos Ministros da Fazenda, Planejamento e pelo presidente do Banco Central. O CMN foi largamente utilizado ao longo de nossa história como forma indireta de saque aos recursos públicos por setores organizados da sociedade1 . Tal realidade está magistralmente ilustrada pelo gráfico, que mostra a altíssima correlação entre a inflação e o número de membros do CMN2 .

Por fim, vale comentar rapidamente propostas de diminuir a volatilidade da taxa de câmbio, colocando-a em patamar "competitivo para a indústria nacional. " Fixar a taxa de câmbio implica abrir mão do controle sobre a taxa de juros, e do sistema de metas para inflação, a menos da imposição de controles de capitais. Controles de capitais são necessariamente porosos e tendem a perder eficácia no médio prazo.

Além disso, nossas próprias experiências mostram que tais tentativas acabaram por gerar alta inflação. Portanto, não convém voltarmos a algum tipo de regime de câmbio controlado. Já as operações cambiais esterilizadas (aquelas que não afetam a taxa de juros) devem ser realizadas apenas esporadicamente, em situações em que o mercado se encontra disfuncional, sem o objetivo de alterar o nível da taxa de câmbio. No outro extremo, se capitais voltarem a afluir maciçamente para o país, não haverá por que acumular ainda mais reservas, dado seu alto custo fiscal.

Em suma, a política monetária, aliada ao câmbio flutuante, tem funcionado surpreendentemente bem. As propostas aqui comentadas só piorariam o desempenho da economia. Quando o time só empata em 0 x 0, não é na defesa que se deve mexer. O que precisa mudar é a política fiscal, a começar pela urgente reforma da Previdência, sem a qual nossa dívida pública explodirá. É aí que os candidatos deveriam estar centrando esforços. Sem isso, corremos sério risco de retornar à inflação elevada do período anterior ao Plano Real.

1. Para maiores detalhes, ver Franco, Gustavo H. B. 2017. "O Conselho Monetário Nacional como Autoridade Monetária: das origens aos dias atuais. " In A Crise Fiscal e Monetária Brasileira. Civilização Brasileira, 2ª edição. Editado por Edmar Bacha.

2. Gráfico retirado de Garcia, Márcio et al. 2018. "The Fiscal and Monetary History of Brazil: 1960-2016" University of Chicago, Becker Friedman Institute for Economics Working Paper No. 2018-66. Márcio G. P. Garcia, Ph.D. por Stanford, Professor da Cátedra Vinci do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente neste espaço (www.economia.puc-rio.br/mgarcia).

Fonte: Valor - Opinião, por Márcio Garcia, 21/09/2018