Depois de dois dias de intensa fritura após o presidente Jair Bolsonaro falar em dar “um cartão vermelho” a quem propusesse “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos” como meio de financiar o Renda Brasil, a equipe econômica encerrou o dia de ontem tentando dar um ar de normalidade e volta ao trabalho.

Balançando no cargo desde a terça-feira passada, o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, foi no fim da tarde ao Palácio do Planalto para participar de uma reunião de rotina da Secretaria de Governo (Segov) e tratar de matérias em tramitação no Congresso Nacional.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, também participou da reunião. Ao final, deu uma entrevista sobre a retomada das perícias médicas nos postos de atendimento do INSS. Questionado sobre a situação de Waldery, esquivou-se. “Não, não. Eu estou falando aqui da Previdência.”

Esses encontros normalmente ocorrem às segundas e às sextas-feiras. O de ontem foi uma antecipação. Com a presença de representantes da Segov, da Secretaria-Geral, da Casa Civil e do Ministério da Economia, servem para alinhar posições e estabelecer prioridades do governo no Congresso.

Num dia ainda tenso, os rumores de defecção na equipe econômica também atingiram o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos Da Costa. Ele deixaria o Ministério da Economia para ocupar um posto no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No entanto, Da Costa passou o dia trabalhando normalmente. No fim da tarde, substituiu o ministro da Economia, Paulo Guedes, em um evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo site Poder360, que discutiu propostas para a recuperação da economia.

Questionado se estaria de fato deixando o governo, o secretário negou. “Hoje, a decisão é: eu continuo secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, trabalhando com uma equipe extraordinária que muito me orgulha.” Acrescentou que tem muito a fazer à frente da secretaria. Comentou, ainda, que os rumores sobre sua ida para o BID circulam desde dezembro e se disse envaidecido pela lembrança.

Waldery, que se manteve recolhido desde a terça-feira, ontem retomou a rotina de trabalho. Fontes reafirmaram ao Valor que o secretário deve permanecer no cargo. Avaliou-se que suas declarações à imprensa sobre alternativas para o financiamento do Renda Brasil, como a desindexação de aposentadorias e restrições de acesso ao seguro-desemprego, foram desastrosas. Mas não de forma intencional.

A reunião de quatro horas que Guedes fez com secretários especiais na noite de quarta-feira teve como objetivo justamente acertar o passo da equipe para evitar que iniciativas individuais dos secretários causem problemas ao governo. Houve orientação para que ideias ainda não amadurecidas não sejam trazidas a público.

Da Costa é lembrado para o BID porque trabalhou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, na pandemia, foi o responsável pelos programas de crédito às empresas.

O Brasil deve ter o direito de indicar o vice-presidente-executivo como parte do arranjo que permitiu a eleição de Mauricio Claver-Carone, dos Estados Unidos, para a presidência da instituição. Tradicionalmente, o presidente do organismo é um latino-americano e o vice-presidente executivo, um norte-americano. Desta vez, houve uma inversão.

O Ministério da Economia informou que ainda não há definição sobre a indicação brasileira para o cargo no BID.

Ontem, ao mesmo tempo, confirmou que o Brasil propôs a recondução de Abraham Weintraub para uma diretoria-executiva do Banco Mundial. O ex-ministro da Educação está no posto desde junho, mas seu mandato se encerra em 31 de outubro. Se reconduzido, ficará no cargo por mais dois anos.

A diretoria representa o Brasil e mais oito países: Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Fabio Murakawa, Lu Aiko Otta e Mariana Ribeiro - Brasília, 18/09/2020