O crescente desgaste do ministro da Economia, Paulo Guedes, é evidente. As sugestões da equipe econômica têm sido seguidamente desautorizadas pelo presidente Jair Bolsonaro, indicando o risco de mudanças na orientação da política fiscal.

Essa percepção deixa o mercado ressabiado, como diz o analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. Os investidores “evidentemente percebem o desgaste de Paulo Guedes e a indefinição sobre como combinar o Renda Brasil com o teto”, diz ele. Mas a avaliação é que Guedes ainda não cedeu num ponto fundamental, ao menos por enquanto - o compromisso com o teto, afirma Ribeiro.

A posição do ministro, porém, obviamente não é confortável. “A situação de um ministro da Economia que é constantemente confrontado em público pelo presidente da República não pode ser considerada estável”, observa Ribeiro. “O cartão ainda não foi o vermelho, mas o prestígio de Guedes dentro do governo e nos meios políticos de Brasília foi mais uma vez abalado”, diz o analista da MCM, citando uma frase atribuída a Mario Henrique Simonsen, ministro da Fazenda de 1974 a 1979: “Não existe ministro da Fazenda fraco”. Um chefe da equipe econômica fraco é inócuo, afirma Ribeiro.

Até o momento, porém, Bolsonaro não abriu mão do teto, ainda que a vigência do mecanismo esteja cada vez mais sob pressão. Para ser cumprido em 2021, será necessário um corte expressivo das despesas discricionárias, como custeio da máquina e os investimentos, já muito comprimidos. E, o ponto principal, o teto hoje tende a ser visto pelo presidente como o grande obstáculo para a criação do Renda Brasil, que poderá ser a sua marca na área social, substituindo o Bolsa Família e se tornando um grande ativo eleitoral em 2022.

As soluções cogitadas pela equipe econômica para colocar o Renda Brasil de pé, respeitando o teto, foram rechaçadas pelo presidente. A primeira ideia arquivada foi o uso dos recursos do abono salarial para ser uma fontes de renda para o novo programa - logo depois, Bolsonaro descartou fazer o mesmo com o dinheiro do seguro defeso. E, nesta semana, Bolsonaro disse que não existe a possibilidade de congelar o valor de aposentadorias para abrir espaço no Orçamento com o objetivo de bancar o Renda Brasil.

Como dificilmente Bolsonaro desistirá do programa - ontem, o presidente deu sinal verde para o senador Márcio Bittar (MDB-AC), o relator do Orçamento, tratar do tema -, a sobrevivência do teto fica em xeque. O economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero, nota que a proposta de congelar aposentadorias tiraria pouco de muitos - são 11,7 milhões de aposentados e pensionistas que ganham acima do salário mínimo - para beneficiar um número menor de pessoas, numa conjuntura da inflação de alimentos em dois dígitos. “A economia ensina que pessoas tendem a valorizar mais o que perdem que o que ganham, enquanto a política ensina a contar os votos”, resume ele.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Sergio Lamucci -São Paulo, 18/09/2020