Com o novo programa de assistência social vivo, mas fora dos holofotes, o governo quer dar força a itens populares da sua agenda, como a redução a zero do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de eletrodomésticos da linha branca ou o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e a desoneração da folha salarial.

São itens voltados principalmente para a classe média. E que podem ter complementos impopulares, como a criação de um tributo sobre pagamentos.

O envio dessas propostas ao Congresso depende do sinal verde da ala política do governo. Cabe ao grupo definir o momento mais adequado.

Mas o plano é montar um discurso para partir para a ofensiva e avançar com toda a agenda de reformas. Em especial, com o Pacto Federativo. É nele que estão os meios para criar o programa que inicialmente foi batizado de Renda Brasil ou um Bolsa Família vitaminado, que será o principal ativo do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

O programa será um “tiro de bazuca” na oposição, de acordo com um interlocutor do ministro da Economia, Paulo Guedes. Por isso, os ruídos em torno de suas fontes de financiamento irritaram tanto o presidente, colocaram na linha de tiro o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, e respingaram no ministro.

As declarações do secretário, primeiramente ao Valor, informando que a desindexação das aposentadorias poderia financiar o Renda Brasil, e depois ao portal G1, falando também em restringir o acesso ao seguro-desemprego, foram consideradas desastrosas. Trouxeram uma aura de impopularidade ao programa. Além disso, na visão de fontes do Executivo, colocaram lenha numa fogueira instalada para impedir que o governo capitalize os resultados do novo programa social.

As chamas são direcionadas a Guedes, acreditam essas fontes, que integra a linha de frente do governo. O ministro é o ponto de intersecção de Bolsonaro com o empresariado, a mesma base que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenta atrair com sua atuação em favor das reformas econômicas.

O diálogo entre Guedes e Maia, que foi fundamental para a aprovação da reforma da Previdência, está interrompido. Foi-se deteriorando com o andamento da agenda eleitoral. A aproximação do DEM com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), virtual opositor de Bolsonaro no pleito de 2022, só fez crescer o afastamento.

Guedes sabe que é alvo dos potenciais opositores de Bolsonaro. Também enfrenta disputas com ministérios que querem mais orçamento, como ocorreu com todos os seus antecessores. No entanto, tem boa parte do empresário a seu favor e sabe que isso é valorizado pelo presidente.

Na terça-feira, quando o mercado se alarmava mais uma vez com a possível saída do ministro, Guedes apareceu muito calmo num evento virtual do setor de telefonia e recomendou que não se prestasse atenção no barulho, e sim na direção das coisas.

A ideia de começar com um Renda Brasil mais modesto, próximo do Bolsa Família, e depois fortalecê-lo à medida que forem viabilizadas fontes de financiamento, já estava colocada há pelo menos duas semanas. Essa trilha não foi abandonada.

Na mesma palestra, o ministro da Economia deixou claras suas prioridades. Uma é a desoneração da folha. Guedes repetiu que a tributação sobre salários tem todos os defeitos que os especialistas levantam para criticar a CPMF. Como costuma dizer, trata-se de trocar um tributo cruel por outro que é feioso, mas vai favorecer o emprego.

Técnicos informam que, para que o tributo seja palatável, com uma alíquota baixa, terá de ter uma base de arrecadação mais ampla do que a da CPMF.

O ministro também defendeu a desindexação, desvinculação e desobrigação, que estão na base da irritação de Bolsonaro com Waldery. O caminho para criar um programa social forte e que não rompa com o teto de gastos passa por essas medidas.

No Congresso Nacional, a expectativa é que seja instalada, na próxima terça-feira, a comissão mista de Orçamento. A pressão para a retomada das atividades do colegiado se intensificou nas últimas semanas, quando o governo enviou sua proposta de Lei Orçamentária Anual (LOA) para o ano que vem, mas até agora os deputados e senadores não iniciaram as discussões a respeito da peça. (Colaboraram Renan Truffi e Vandson Lima)


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Lu Aiko Otta - Brasília, 17/09/2020