O polêmico Regime Diferenciado de Contratações (RDC), criado para a Copa do Mundo, pode se tornar prática comum para todas as licitações. O governo já estendeu o modelo para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), saúde, educação, além de infraestrutura e serviços para aeroportos e dragagem. Agora, um projeto do líder do PT, José Guimarães (CE), pretende reformular a Lei de Licitações (8.666).

"A sociedade está pedindo mudanças. Essa lei 8.666 acoberta a corrupção e trava a infraestrutura do país. As pessoas se escondem atrás dela para fazer os aditivos e mal feitos", afirma Guimarães. "Já são dois anos com o RDC e não houve nenhuma denúncia de irregularidade ou atraso ", diz.

O Tribunal de Contas da União (TCU) tem 13 processos para apurar supostas irregularidades em editais que usaram o RDC. Os inquéritos foram abertos por representação de empresas que se sentiram prejudicadas nas licitações, mas, por enquanto, nenhuma das reclamações foi julgada procedente - em três casos, os ministros já consideraram não haver desvios.

O governo também avalia que o novo modelo trouxe agilidade e economia nas contratações. Em seminário no TCU em julho, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, afirmou que o RDC reduziu o tempo médio das licitações na Infraero de 243 dias para 104 dias, e de 279 dias para 79 dias no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

Pelo projeto do líder do PT, as regra do RDC se tornarão o padrão nas licitações. Serão extintas as atuais modalidades de disputa, como convite e concurso, e adotado o novo modelo. A principal inovação é a contratação integrada, válida apenas para obras e serviços de engenharia, em que projeto e execução são licitados juntos.

Nesse formato, a empresa vencedora tende a cobrar um valor mais alto do que o atual, para compensar eventuais riscos, mas também tem pouca margem para reclamar de inconsistências nos custos e pedir uma recomposição dos preços, já que foi ela quem fez os estudos. Por isso, é proibida a celebração de aditivos, prática comum nas obras licitadas pela Lei 8.666.

Há, porém, dois casos em que a empresa pode pedir o aumento no preço, segundo o projeto: para recomposição do equilíbrio econômico-financeiro "decorrente de caso fortuito ou de força maior", e por alterações do projeto para "melhor adequação técnica". O aditivo, entretanto, será de, no máximo, 10% do valor inicial, ou de 20%, para reformas. Pela 8.666, os aditivos máximos são de, respectivamente, 25% e 50%.

O RDC também permite ao poder público analisar primeiro as propostas e só verificar os documentos da empresa vencedora, para saber se está habilitada ao serviço. Pela Lei 8.666, é preciso checar os documentos de todas as empresas que querem participar - o que causa atrasos, segundo os críticos, porque as inabilitadas recorrem e a decisão sobre fica suspensa.

A mudança mais polêmica, contudo, é o sigilo do orçamento. No RDC, o valor estimado da obra ou serviço não é divulgado no edital - os únicos a receber a informação são os órgãos de controle interno e externo. Isso visa a coibir a ação de empresas que se juntam para combinar os lances, de forma a fraudar a concorrência - os cartéis.

Guimarães tentou aliviar a proposta, ao propor que o custo estimado seja divulgado com o anúncio do vencedor. No RDC, essa informação pode permanecer secreta até o fim da obra ou serviço. A única exceção ao sigilo é para as concorrências em que vence quem der o maior desconto ou apresentar a melhor técnica.

Todas essas mudanças, porém, devem enfrentar resistência no Congresso e indispor PT e PMDB. O projeto do líder petista foi anexado a uma grande revisão da Lei 8.666 feita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, cujo relator é o deputado Fábio Trad (PMDB-MT), que não quer incluir as regras no texto final.

"O governo e o PT querem RDC para tudo, mas isso deveria ser exceção", afirma o pemedebista, que vê como alternativa a proibição de que empresas que doaram para campanhas eleitorais participem de licitações. "Não adianta inverter as fases de habilitação nem sigilo do orçamento. Isso não inibe conluio porque as empresas acertam antes os valores", diz Trad.

Por sua vez, o líder do PT afirma que já enfrentou resistência idêntica quando foi relator da Medida Provisória 527/11, que instituiu o RDC para obras da Copa do Mundo e da Olimpíada de 2016. "Essas mesmas pessoas disseram que não ia dar certo, e hoje é um sucesso", diz Guimarães. Ainda que o texto que vier a ser aprovado na CCJ não contenha regras para o RDC, nada impede que o PT tente viabilizar a inclusão das regras no plenário.

 

 


Fonte: Valor Econômico, por Raphael Di Cunto, 16/09/2013