Tem sido bastante noticiado que o Supremo Tribunal Federal (STF) vem se reunindo virtualmente para tratar das mais diversas pautas tributárias que aguardavam resolução há um bom tempo. Durante essa pandemia, foram vários os temas tributários já resolvidos pelo tribunal e outros tantos que ainda estão previstos para serem julgados ainda este ano.

Um dos temas resolvidos diz respeito à inconstitucionalidade da contribuição exigida em forma de adicional de 10% à multa rescisória que é devida ao FGTS nas demissões sem justa causa. Esse tema chegou pela segunda vez ao STF - frise-se, já havia sido analisado na ADI 2556 em 2012 -, para ser analisado à luz de um novo fundamento jurídico (RE 878.313; Tema 846).

Apesar do encerramento do julgamento, parece correto cogitar que a constitucionalidade da contribuição precisa ser novamente apreciada

É bem verdade que a referida contribuição foi extinta pela Lei nº 13.932/2019, com vigência determinada para fatos geradores a partir de janeiro do ano em curso. Entretanto, o interesse dos contribuintes persiste em razão da busca pelo reconhecimento do indébito tributário, por alegada inconstitucionalidade, em relação aos recolhimentos ocorridos no passado.

O fundamento jurídico que foi objeto dessa segunda apreciação pelo STF disse respeito à perda da finalidade para a qual a contribuição havia sido criada. Relembre-se que essa contribuição tinha como finalidade a reposição de perdas com o pagamento dos expurgos inflacionários aplicados nos saldos das contas vinculadas ao FGTS na vigência do “Plano Verão” e do “Plano Collor I”. Por isso, a base de cálculo para a incidência era o saldo das contas do FGTS e a incidência se dava quando ocorria a demissão sem justa causa do trabalhador.

A reposição completa dessas perdas foi confirmada por relatórios publicados pela Caixa Econômica Federal e desde 2012 os valores arrecadados estavam sendo remetidos ao Tesouro Nacional.

Em que pese a evidente desvirtuação da finalidade dessa contribuição - o que deveria implicar a perda de validade da norma instituidora -, o STF por maioria decidiu pela constitucionalidade da contribuição, com esteio no voto do ministro Alexandre de Moraes. Prevaleceu o entendimento de que a contribuição teria sido criada para preservação do direito social dos trabalhadores em relação ao FGTS e que a reposição de perdas em relação aos expurgos inflacionários seria meramente acessória.

Em que pese o encerramento do julgamento no RE 878.313, parece correto cogitar que a constitucionalidade dessa contribuição ainda precisa ser novamente apreciada pelo tribunal à luz de um terceiro fundamento jurídico que não foi objeto de apreciação nesse leading case.

O curioso é que esse novo fundamento já está sendo apreciado pela Suprema Corte, mas em outra disputa tributária: subsistência da contribuição destinada ao Sebrae, após o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001 (RE 603.624; Tema 325) - julgamento ainda em andamento.

A EC 33/01 alterou a Constituição Federal para prescrever que as chamadas contribuições sociais gerais (caso do adicional do FGTS) e as contribuições de intervenção sobre o domínio econômico (caso do Sebrae) só poderiam incidir sobre o faturamento, receita bruta ou valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro, nos termos do art. 149, § 2º, III, “a”, da Constituição Federal.

A contribuição ao Sebrae, assim como a contribuição adicional do FGTS, não atende aos critérios definidos pela EC 33/01. A primeira tem como base de cálculo a folha de pagamento das empresas; a segunda o somatório dos depósitos vinculados às contas do FGTS. As duas, portanto, possuem bases de cálculo que não foram eleitas como possíveis pela atual redação da Constituição Federal. Tem-se, aqui, o fenômeno da inconstitucionalidade material superveniente da Lei Complementar nº 110/01.

Considerando que o STF poderá decidir pela inconstitucionalidade superveniente da contribuição Sebrae, por inadequação da base de cálculo em face das alterações promovidas pela EC 33/01, não é exagero pensar que o debate sobre a constitucionalidade da contribuição adicional do FGTS poderá bater às portas da Suprema Corte pela terceira vez.

E, pelo sistema vinculante de precedentes que vem sendo criado pelo próprio STF, especialmente depois do Código de Processo Civil de 2015, os juízes e tribunais serão instados à valoração e aplicação da “ratio decidendi” extraída do eventual julgamento favorável do RE 603.624 para que seja proferido novo juízo a respeito da constitucionalidade da contribuição adicional do FGTS, mesmo depois do encerramento da discussão no RE 878.313.

Embora se possa inferir que o STF deverá se deparar novamente com a discussão sobre a constitucionalidade dessa contribuição, renovando-se para os contribuintes a oportunidade de afastar a sua cobrança, é relevante a reflexão sobre o fato da Suprema Corte ter que avaliar a constitucionalidade de uma mesma norma jurídica pela terceira vez.

Essa circunstância reforça que o nosso sistema tributário merece ser repensado e que, no âmbito dos debates atuais sobre reformas tributárias, incongruências como essa devem ser prevenidas, a partir de um abrangente e não apressado debate jurídico acerca da compatibilidade das novas normas à atual Constituição Federal.

Rodrigo César de Oliveira Marinho é doutor e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor e advogado do Machado Meyer Advogados

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Fonte: Valor Econômico - Legislação, por Rodrigo César de Oliveira Marinho, 11/09/2020