Após já ter passado por um forte ajuste por causa do cenário eleitoral, o dólar ampliou a alta ontem, desta vez pressionado pelo mercado internacional. O aumento da aversão ao risco no mundo deu tração à moeda americana em relação a todas as divisas, castigando ainda mais o fragilizado real.

No encerramento da sessão, o dólar valia R$ 4,122, uma valorização de 1,71%, deixando a cotação perto de sua máxima histórica. Em termos nominais, o nível só é superado pelo fechamento de 21 de janeiro de 2016, quando atingiu R$ 4,163.

Embora grande parte desse movimento recente de pressão no câmbio tenha sido atribuído à preocupação com a corrida eleitoral, gestores de grandes fundos consultados pelo Valor dizem que a deterioração dos preços acontece porque há, simultaneamente, uma piora do ambiente internacional para ativos emergentes.

"Quando o juro no mundo é zero, você consegue tolerar muita coisa. Mas com o juro americano em 3%, não há por que aceitar determinados riscos", explica o gestor de um fundo paulista. "Tem algo maior acontecendo, que deixa menos recursos disponíveis para os emergentes."

Na semana passada, quando a preocupação com a eleição cresceu, saíram do país pela conta financeira US$ 4,313 bilhões, segundo dados do Banco Central. No mês de agosto, a saída líquida soma US$ 5,894 bilhões. Não há informações oficiais sobre o destino desse dinheiro, mas profissionais que acompanham de perto os movimentos de mercado dizem que houve resgate por parte de investidores estrangeiros que haviam aplicado no Brasil até março deste ano, período em que ainda prevalecia um quadro de disposição por ativos de risco.

Nesta semana, a ameaça de um impeachment do presidente americano, Donald Trump, veio agravar o quadro global já mais negativo por causa da redução do diferencial do juro local em relação ao americano e pelas incertezas quanto à guerra comercial entre Estados Unidos e China. Nesse ambiente, as fragilidades específicas de cada economia ficam mais expostas. Com mais riscos no radar, a parcela de recursos destinada para mercados emergentes fica menor e, consequentemente, o investidor torna-se mais seletivo.

Gestores afirmam, entretanto, que não é possível atribuir a essa saída a recente forte alta do dólar. Isso porque o estrangeiro que investiu no Brasil fez também operações de "hedge". Segundo dados da B3 e do Banco Central, o estrangeiro tinha posição comprada em cerca de US$ 36 bilhões em derivativos cambiais. Ou seja, esse investidor comprou ações, reais e aplicou em juros, mas também buscou dólares no mercado futuro para se proteger. Ao resgatar seus recursos, esses agentes se desfazem do hedge, ou seja, vendem dólares no mercado futuro.

Quem determinou grande parte da disparada do dólar, afirmam os especialistas, foram os investidores locais, que ampliaram a busca por proteção em derivativos cambiais nas últimas sessões, em especial em dólar futuro. Segundo esses profissionais, muitos dos fundos de investimento já haviam reduzido posição em Brasil nos últimos meses, especialmente depois de maio, preparando-se para o período de instabilidade que estava por vir.

Mesmo assim, as recentes pesquisas eleitorais, mostrando o candidato Geraldo Alckmin (PSDB) - o preferido do mercado - ainda enfraquecido justificou um reforço na compra desse hedge.

Na prática, o que acontece é que os fundos que aplicam em ações compram dólar futuro, o que explica um relativo sangue-frio da bolsa, se comparada ao comportamento do dólar. Mas há outras formas de fazer proteção, por meio de compra de opções de venda de Ibovespa ou posições em volatilidade.

Além disso, esses fundos vêm diversificando o portfólio, destinando parte de seus recursos para ativos fora do país há meses. Todos gestores consultados afirmam estar reduzindo pelo menos desde o começo do ano a parcela do risco Brasil em suas carteiras. Além de comprar ações nos Estados Unidos, esses gestores brasileiros também têm comprado ativos emergentes. E o México é hoje um dos destinos preferidos por esses investidores. A razão é que o país tem hoje um juro básico de 7,75% - maior do que a Selic, de 6,5% -, embora seja "investment grade". Além disso, já passou pela eleição presidencial.

Embora tenha saído da casa dos R$ 3,86 para acima dos R$ 4,12 em apenas sete dias - alta acumulada de 6,59% no período -, analistas dizem que não há sinais de pânico. Em termos reais, por exemplo, a máxima histórica registrada em janeiro de 2016 seria equivalente a R$ 4,50 hoje - isso indica um espaço da cotação atual até aquele pico. Também não se enxerga claramente indícios de disfuncionalidade. Ou seja, o próprio mercado ainda consegue atender à demanda por proteção dos agentes. "O dólar está apenas se acomodando a um novo nível de risco", afirma um gestor.

Fonte: Valor - Finanças, por Lucinda Pinto e Lucas Hirata , 24/08/2018