A greve dos caminhoneiros e a conta de luz provocaram forte alta de 1,1% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) em junho, maior avanço para o mês desde 1996 (1,1%). Em maio a taxa foi de 0,14%. Divulgada ontem pelo IBGE, a prévia da inflação superou o teto de 1,07% das estimativas de 22 consultorias e instituições ouvidos pelo Valor Data, surpresa que provocou revisões para o IPCA do mês e do ano.

Somadas, as altas dos preços dos alimentos, dos combustíveis e da tarifa de energia foram responsáveis por 0,91 ponto percentual (83%) do indicador de junho. Apesar da pressão, os efeitos da greve sobre o índice tendem a ficar circunscritos a maio e junho, sem preocupações adicionais para a inflação dos meses seguintes, segundo avaliam economistas ouvidos pelo Valor.

O choque de oferta gerado pelo desabastecimento de produtos durante a greve era mais do que esperado, mas sua intensidade acabou surpreendendo. A maior divergência em relação às projeções veio dos alimentos, que avançaram 2,31%, com destaque para itens como batata-inglesa (45,12%), tomate (14,15%), leite (5,59%) e carnes (2,35%).

Mas a principal pressão sobre a prévia de junho veio dos combustíveis, que subiram 5,94%. Com a escassez de oferta da gasolina, o produto foi encontrado, em média, 6,98% mais caro, gerando o maior impacto individual no índice (0,31 ponto percentual). O preço do etanol, por sua vez, acelerou para 2,36% na prévia da inflação de junho, após a deflação 5,17% em maio. O diesel ficou 3,06% mais caro.

Outro fator de pressão no mês foi a conta de luz. O acionamento do patamar 2 da bandeira vermelha foi determinante para a energia elétrica residencial ficar 5,44% mais cara na média nacional no mês, segundo maior impacto individual no índice de junho. Além da bandeira, houve reajustes de tarifas de concessionárias em cinco capitais.

Com o resultado do mês, o IPCA-15 acumulado em 12 meses foi de 3,68%, voltando a ficar acima do piso da meta de inflação do governo, de 3% neste ano - a meta é de 4,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. O índice estava abaixo do piso desde janeiro deste ano, conforme o IBGE.

Após surpreender para cima na primeira quinzena de junho, a inflação deve acelerar mais na segunda metade do mês, segundo análise de Elson Teles, economista do Itaú Unibanco. O IPCA do mês "cheio" deve subir para 1,37% - previsão revisada ontem, de 1,2% Alimentos e energia elétrica seguirão pressionando a inflação oficial no mês. Desta forma, o IPCA em 12 meses deverá chegar a 4,5% em junho, de volta ao centro da meta.

"Como foi um choque pontual, de oferta, o impacto da greve não tem motivo para ser permanentemente. Entre julho e agosto, boa parte disso será devolvido. No caso dos alimentos in natura, já em julho. Em produtos como carnes e frangos será preciso um pouco mais de paciência, mas também devem recuar", disse o economista do Itau. 

Uma da dúvidas de que ainda martelam a cabeça de analistas é a intensidade da devolução da alta de preços. Segundo Fabio Romão, da LCA Consultores, o grupo alimentação e bebidas - que responde por um quarto do custo de vida das famílias - deverá ter deflação de 0,37% em julho. Com isso, o IPCA mensal desaceleraria de 1,32% em junho para 0,47% no mês seguinte. Essa perda de fôlego não seria maior por causa das passagens aéreas.

"Agosto também de ter um IPCA bem comportado, de apenas 0,04%, ainda como reflexo da devolução parcial das altas de maio e junho", disse Romão.

Apesar dessa percepção de devolução das altas, a magnitude da taxa de junho contaminou as projeções para a inflação deste ano. A consultoria Pezco revisou sua projeção para o IPCA de 2018 de 3,9% para 4,68%, ligeiramente acima do centro da meta. A GO Associados, por sua vez, atualizou o cenário de 3,6% para 3,9%. O banco suíço UBS passou a projeção de 4% para 4,3%.

Essas revisões não significam que a inflação tornou-se uma fonte de preocupação neste ano, disse Fabio Ramos, economista do UBS. Os núcleos do IPCA-15 - medidas que suavizam itens mais voláteis - até aceleraram de maio para junho, mas permanecem em níveis baixos para padrões históricos. Na média das três medidas mais utilizadas, a variação atingiu 0,48%, após 0,12% em maio, com a taxa em 12 meses subindo só 3,1%.

Ramos disse que os resultados também não contaminaram o cenário de inflação de 2019, embora esteja no "limiar" disso. Para ele, as expectativas para a taxa básica de juros, a Selic, não mudam por enquanto. Na quartafeira, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve a
Selic em 6,5%, mas recuou em sua sinalização de nova manutenção em agosto.

"O BC comunicou que o que importa é o núcleo de inflação, que segue benigno. Para falarmos de inflação acima do da meta, vamos precisar ter notícias piores no campo dos preços, como uma intensificação da desvalorização cambial", disse o economista do UBS, que prevê duas altas da Selic este ano, após as eleições, para 8,5% ao ano.

Fonte: Valor - Macroeconomia, por Bruno Villas Bôas , 22/06/2018