Em 30 de abril, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), por meio de sua Divisão Criminal, publicou atualização de suas orientações para avaliação da efetividade de programas de compliance de empresas. O documento atualiza orientações originalmente fixadas em memorando de fevereiro de 2017, buscando harmonizá-las com outras orientações e princípios que norteiam a atuação do departamento em casos de responsabilidade criminal de organizações empresariais, tal como em situações de violação ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA).

Para as companhias brasileiras, a importância das diretrizes do DOJ não se restringe ao círculo daquelas que estão sob alcance da jurisdição norte-americana. Por aqui, as orientações de órgãos públicos sobre o tema têm se tornado defasadas.

Como exemplo, o guia do Cade para programas de compliance concorrencial ainda se preocupa em explicar "o que é compliance", e utiliza mais pressupostos teóricos do que práticos para tratar de sua estruturação. Já o documento da CGU com diretrizes para construção e aperfeiçoamento dos chamados programas de integridade, com base na Lei Anticorrupção, não é atualizado desde 2015. O Ministério Público Federal (MPF), por sua vez, não possui qualquer iniciativa semelhante, apesar da importância do tema para análise de casos como os que envolvem a operação "Lava Jato". O manual do DOJ se torna importante ferramenta para auxiliar na atualização deste vácuo.

Como novidade, o documento enfatiza a necessidade de as empresas revisarem seus programas sob a luz das lições aprendidas

A publicação, anunciada pelo procurador-geral assistente Brian Benczkowski, e dirigida aos procuradores do departamento, representa a continuidade de esforço do órgão em dar maior transparência ao tratamento de crimes corporativos. As orientações, que se somam às diretrizes para acusação de empresas constantes do Manual de Justiça do DOJ, são determinantes para decisão de acusação, negociação de acordo ou outras formas de resolução de casos criminais, como a declination.

O documento recém-publicado tem o objetivo de auxiliar os procuradores a tomarem tais decisões de maneira informada sobre se, e em qual extensão, o programa de compliance de uma empresa era efetivo no momento da ocorrência de um crime ou se, ao menos, ele já se mostra efetivo quando se analisa a possibilidade de apresentar acusação ou resolução alternativa.

O DOJ reconhece que não existe modelo perfeito ou fórmula pronta de programa de compliance para prevenir e detectar condutas desviantes no âmbito da organização empresarial. O programa deve ser avaliado em cada caso concreto, levando em consideração o perfil de risco da companhia e as soluções estabelecidas para sua redução. De acordo com o DOJ, existem, porém, três questões fundamentais que devem ser enfrentadas para tomada de decisão: o programa de compliance da empresa é bem desenhado? O programa está sendo implementado efetivamente? O programa funciona na prática?

O departamento apresenta uma série de critérios objetivos que devem ser avaliados para responder tais perguntas, ainda que afirme não ser um "checklist" (já que a ponderação deve ser particular em cada caso). Muitas orientações já constavam do manual de 2017, e também são familiares, há mais tempo ainda, a qualquer programa de compliance sério e efetivo.

A identificação, avaliação e definição do perfil de risco de cada empresa, levando em consideração seu negócio, sob a perspectiva comercial, para o desenho de um programa que vise detectar o tipo particular de conduta desviante com maior possibilidade de ocorrência na sua linha de atuação; a necessidade de implementação de uma cultura de conformidade "top to bottom"; a delegação de autonomia e recursos aos responsáveis pelos mecanismos internos de controle; e a existência de canal de denúncias efetivo e que proteja o denunciante interno, são padrões mínimos.

Como novidade, o documento enfatiza a necessidade de as empresas revisarem seus programas "sob a luz das lições aprendidas". Eventual falha do passado deve ser corretamente identificada e compreendida para que a partir dela exista o aprimoramento do modelo de vigilância interno da empresa. O programa de compliance sempre deve ser dinâmico e atento ao histórico e evolução constante do risco empresarial.

Além de orientar seus procuradores, o DOJ aponta um norte às empresas no campo da autorregulação. Os riscos de um mero "programa de papel" encontram-se em oposição aos benefícios materiais que uma estrutura interna de controle "implementada, revisada e apropriada, de maneira efetiva", podem trazer. Trata-se da política da cenoura e do porrete.

No Brasil, a mesma lógica deve ser observada. A efetividade de programas de compliance deve ser levada em consideração, por exemplo, em casos de responsabilização administrativa de empresas por práticas anticoncorrenciais ou de corrupção. Além disso, se no futuro a responsabilidade penal da pessoa jurídica for expandida para outras condutas, além de crimes ambientais, não há dúvidas de que a existência de estruturas efetivas de compliance será fator decisivo para avaliação do caso concreto. Na esfera pessoal, um programa efetivo ainda pode ser determinante para diminuição ou afastamento de responsabilidade penal de dirigentes e membros do conselho de administração. Nesse contexto, o manual do DOJ aponta as atuais melhores práticas para se buscar tal efetividade e os benefícios dela decorrentes.

Philippe Nascimento é mestre e doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP, sócio de Dias e Carvalho Filho Advogados.

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Fonte: Valor - Legislação, por Philippe Nascimento, 04/06/2019