Com o fracasso da linha de crédito que financia a folha de pagamento, o relator da medida provisória que cria o programa de socorro estuda flexibilizar o dispositivo que proíbe demissões em uma tentativa de destravar os recursos represados.

Pelo texto enviado pelo governo, a empresa tem que contratar empréstimo para pagar 100% de sua folha de pagamento. Como contrapartida, é obrigada a manter os funcionários por dois meses.

A linha é voltada a empresas com faturamento de R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano —pequenas e uma parte das médias empresas.

A exigência de não demitir é apontada por empresários como um entrave e um dos principais motivos para a baixa demanda pelo crédito. Eles dizem que, diante da piora da economia, não há como garantir que haverá condições de manter os postos de trabalho.

Ciente das queixas, o relator do texto, deputado Zé Vitor (PL-MG), prepara reformulações no dispositivo de demissões. Ele quer permitir que a empresa contrate percentuais menores da folha de pagamento, se comprometendo a manter o mesmo percentual de funcionários empregados por dois meses.

“Propomos que o recurso seja para parte da folha de pagamento. Ou seja, pega 30% para manter 30% dos funcionários. Na proporção que tomar o crédito, ela se compromete a manter o mesmo percentual de funcionários”, afirma. “Os empresários estão preocupados, não sabem o tamanho de seu negócio após a pandemia.”

Segundo dados do Banco Central, até a última segunda (18), 69.603 empresas haviam contratado o empréstimo para financiamento de folha de pagamento, o equivalente a R$ 1,64 bilhão. Ao todo, 1.153.078 empregados foram beneficiados.

Quando o programa de R$ 40 bilhões foi lançado, em 27 de março, o BC estimou que cerca de 12 milhões de pessoas e 1,4 milhão de empresas seriam contemplados.

baixa adesão levou o próprio governo a revisar o programa. Na última sexta (15), o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmou que a obrigatoriedade de manter os empregos gerava insegurança nos empresários e que, por isso, a iniciativa estava sendo recalibrada.

O relator da medida provisória também quer ampliar as empresas atendidas pela linha de crédito. Em vez de limitar o empréstimo a companhias com faturamento até R$ 10 milhões, o relator propõe aumentar esse valor para R$ 50 milhões.

Nas estimativas dele, essa mudança elevaria o número de trabalhadores beneficiados pela MP de 12,2 milhões para 17 milhões.

Outro ponto em estudo é permitir que produtores rurais possam tomar esse crédito.

Uma medida que começou a ser ventilada nos últimos dias, o aumento da participação do Tesouro, é vista com ressalvas por Zé Vitor.

Pela MP, o governo entra com 85% dos recursos e os bancos, com 15%. Ou seja, dos R$ 40 bilhões, R$ 34 bilhões seriam dinheiro público, e o restante, privado.

Na linha, o custo para a empresa é igual à taxa básica (a Selic está em 3% ao ano), sem spread (diferença entre a taxa de captação de recursos e a taxa cobrada em financiamentos) para os bancos, com carência de seis meses para pagar e em 36 parcelas.

Segundo o deputado, a proposta que o Tesouro assuma 100% do risco chegou recentemente às suas mãos. “Não é algo que estava sendo imaginado. Haverá resistência do governo, mas é uma medida importante”, avalia.

Ele afirma estar conversando com seus colegas para sondar a viabilidade de aprovar a proposta, mas reconhece que, se avançar, possivelmente o governo vetaria o trecho.

“Faz sentido essa conversa, mas temos que achar um texto passível de ser aprovado em tempo hábil e que seja eficiente para não ter veto”, ressalta. “Não tenho segurança de que essa medida não teria veto.”

Zé Vitor diz que o momento exige uma atuação mais forte de bancos públicos. “É um chamado para os bancos participarem desse momento. Não tem caridade, mas é uma questão de responsabilidade, em especial os bancos públicos e cooperativas, que, na sua essência, foram desenhados para cumprir um lado social.”

O deputado diz ainda que, em conversa com o senador Omar Aziz (PSD-AM), surgiu a ideia de destinar 10% do valor público da linha a um projeto específico voltado a socorrer profissionais liberais. Mas as negociações ainda estão nos trâmites iniciais, ressalta.


Fonte: Folha de São Paulo - Mercado, por Danielle Brant- Brasília, 22/05/2020