O aluguel pesou mais no bolso do brasileiro e mais pessoas tiveram que dividir o mesmo teto em 2017. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que a situação habitacional do país piorou no ano passado, mesmo com o fim da fase mais aguda da recessão.

O número de lares que gasta mais de 30% da renda com aluguel cresceu 3,5% entre 2016 a 2017, somando 3,7 milhões. Já os domicílios alugados com mais de três pessoas dormindo num mesmo cômodo avançaram 15,9% no período, para 543 mil, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE.

Os problemas se agravaram ainda mais nas capitais, onde o custo da moradia é mais elevado, com avanços de 8,2% e 21,2%, respectivamente, conforme levantamento da LCA Consultores, feito a pedido do Valor. O aumento da extrema pobreza, o desemprego elevado, a piora da renda com o avanço da informalidade, além da desidratação da Faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida estão entre os fatores apontados pelos especialistas para a piora nos dados.

"Havia uma expectativa de que, com a estabilização da economia, o déficit habitacional pudesse ter também se estabilizado", diz Cosmo Donato, economista da LCA. "No entanto, olhando para dois componentes do déficit, o ônus excessivo com aluguel e o adensamento excessivo, há um crescimento relevante entre 2016 e 2017. Constatamos que os efeitos defasados da crise econômica talvez estejam ainda pesando sobre os componentes."

O último dado sobre o déficit habitacional no Brasil é de 2015, mas dois dos quatro itens usados para o cálculo podem ser acompanhados pela Pnad Contínua, cujas informações mais recentes são de 2017. Esses dois itens representavam mais de 55% do déficit habitacional em 2015, segundo a Fundação João Pinheiro, responsável pelo indicador. Os outros dois itens são habitação precária e coabitação familiar (mais de uma família dividindo o mesmo teto), que não podem ser mensurados atualmente pela Pnad Contínua.

Segundo Donato, os casos de domicílios alugados em que muitas pessoas dividem um mesmo cômodo está mais ligado às famílias mais pobres, que vivem em regiões mais afastadas dos centros urbanos, ou nos centros em lares precários ou cortiços. O aumento do número de domicílios adensados no ano passado estaria ligado, assim, ao avanço da extrema pobreza. "A crise intensificou esse problema, mas ele não será resolvido pela recuperação cíclica da economia, é algo que demanda políticas sociais e uma visão mais de longo prazo", afirma o economista.

Já o aumento do número de famílias que comprometem uma parte muito grande da renda com aluguel está relacionado ao desemprego ainda elevado e ao avanço do trabalho informal na saída da recessão. "O aluguel é um contrato rígido, que trava um percentual da renda. Muita gente perdeu o emprego, reduzindo a renda familiar, ou se realocou via informalidade com um salário menor, com isso o peso do aluguel no orçamento das famílias cresceu", explica o economista.

Para ambos os indicadores, a piora foi mais acentuada no Sudeste. Na região, o ônus excessivo com aluguel cresceu 6,7%, comparado a 3,3% no Nordeste e 1% no Norte. No Centro-Oeste e Sul houve quedas de 2,2% e 4,5%, respectivamente. Já o adensamento excessivo em domicílios alugados avançou 31% no Sudeste, 8,5% no Nordeste e 3% no Sul, caindo nas demais regiões.

"Todo o contexto foi contra a melhora do déficit [habitacional], em função da piora da renda, do mercado de trabalho e da própria política habitacional", afirma Ana Maria Castelo, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Com a restrição orçamentária, as contratações do Minha Casa, Minha Vida caíram drasticamente entre 2015 e 2016. No ano passado, houve alguma recuperação, mas praticamente não houve contratações na Faixa 1 do programa, voltada para famílias com rendimento de até R$ 1,8 mil.

Segundo a pesquisadora, o incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, em São Paulo, chamou atenção para a principal dificuldade das políticas públicas habitacionais, que é atender às famílias de menor renda nos grandes centros urbanos. "Para grandes centros, só a construção de novas moradias não resolve", diz, citando como alternativas o aluguel social, a requalificação de imóveis desocupados em regiões centrais e as parcerias público-privadas.

Em 2018, com o mercado de trabalho ainda fraco e a recuperação abaixo do esperado do emprego formal, a perspectiva é de que o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de aluguel continue elevado, avalia Donato, da LCA. Como o indicador responde sozinho por mais da metade do déficit habitacional, é razoável antecipar que a carência histórica do país por moradias continuará a ser agravada pelos efeitos da crise.


Fonte: Valor - Macroeconomia, por Thais Carrança , 14/05/2018