O Brasil começa a redescobrir a importância da renovação da legislação empresarial. Na verdade, a urgente necessidade. O estímulo das atividades econômicas (sejam elas juridicamente consideradas como empresas ou não, para aqueles que insistem nesta dicotomia ultrapassada) passa não somente por programas de governo, mas também pela qualidade da atividade legislativa.

No último dia 30 de abril, a Medida Provisória 881, sob o título de MP da Liberdade Econômica, trouxe à tona a preocupação real da segurança jurídica e evolução de diretrizes interpretativas do mundo dos negócios. Um dos pontos fortes da medida, sem dúvida, é estabelecer o princípio da intervenção mínima do Judiciário nos negócios empresariais. Indiscutivelmente necessária a nova interpretação que se deve fazer sobre a denominada função social do contrato. Não por acaso, o art. 421 do Código Civil ganha um novo contexto relacionando a dita função social com a função empresarial, que não são excludentes quando se enxerga e pondera os riscos do negócio.

Na mesma linha evolutiva, de se interpretar a independência e liberdade contratual nos negócios empresariais, a MP inclui no art. 1.052 do Código Civil, um singelo parágrafo único que fará, sem dúvida, toda a diferença prática. Pelo novo parágrafo único, passa a ser permitida a constituição de sociedades limitadas unipessoais, seja por pessoa física ou pessoa jurídica.

É urgente que se adote interpretação mais razoável, de forma a aplicar a possibilidade da sociedade unipessoal

Até então, esta possibilidade (de constituição) restringia-se a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), que foi criada sob este pretexto, ao invés de se reformular, na época, o conceito geral de sociedade para se permitir sociedade com um único sócio. Certamente, seria bem mais fácil.

Agora, com a MP, além da Eireli, teremos também a opção de sociedade limitada unipessoal. Não se mostra muito adequada existência de todas essas "figuras jurídicas" para dizer o que poderia ser dito de forma bem mais técnica. Muito mais produtivo e técnico, simplesmente, repito, alterar o conceito de sociedade no art. 980 do CC para se contemplar, em qualquer tipo societário, a previsão de contratar sociedade com apenas um sócio. Mas enfim, não é essa realidade.

O Brasil tem uma necessidade inexplicável de se produzir um quantitativo desesperadamente imenso de normas. Claro que não significa dizer que são exemplos de técnica, de redação e as vezes até de eficiência prática.

Temos agora, portanto, a Eireli e sociedade limitada unipessoal como opções do exercício de atividades econômicas. Ou seja, possibilidade de se exercer atividades econômicas através de pessoas jurídicas formadas por apenas uma pessoa. O que chama mais atenção, contudo, é que ao mesmo tempo que se permitiu a constituição de LTDA com único sócio, não se revogou o art. 1.033, IV do Código Civil, que elenca a unipessoalidade depois de expirado o prazo de 180 dias, como hipótese de dissolução de sociedade. Ora, manter essa hipótese no Código Civil não faz mais o menor sentido.

A partir do momento que se permite a constituição de uma limitada com apenas um sócio, não é razoável, manter uma obrigação de reconstituição de pluralidade de sócios, naquelas que, com o passar do tempo, remanesceram com apenas um sócio. A bem da verdade, não fazia anteriormente também nenhum sentido lógico.

Vejamos: (i) se cria uma sociedade limitada, (ii) se registra regularmente aquela sociedade limitada, (iii) com o registro regular, cumpridas as formalidades legais, tem-se inicio a pessoa jurídica do tipo societário limitada, que como pessoa jurídica que é, gera um patrimônio totalmente separado, autônomo em relação ao patrimônio dos seus constituintes (sócios).

No entanto, devido ao fato de se tornar, com o tempo, unipessoal, acaba se negando essa autonomia patrimonial conquistada (que frisa-se ainda presente, eis que continua registrada no mesmo lugar e permanece com contabilidade exclusiva para pessoa jurídica), para se impor ao sócio remanescente uma responsabilidade ilimitada, divergindo ainda a doutrina de como seria essa reponsabilidade se subsidiaria, se ilimitada etc.

Agora, quando se permite uma constituição de uma limitada unipessoal, que cumpridas as formalidades legais, passa a ser considerada pessoa jurídica e, portanto, com patrimônio autônomo, ainda que formada por apenas uma pessoa (seja física ou jurídica), perde-se qualquer razão, inclusive de caráter acadêmico ou doutrinário, para se manter a redação do art. 1.033, IV do CC. Deveria ao menos, torná-lo inaplicável para o tipo societário limitada, tendo em vista a nova redação do art. 1.052.

Assim, considero ser urgente que se adote a interpretação mais razoável, trazendo-se assim a correta segurança jurídica, de forma a aplicar a possibilidade da sociedade unipessoal. Dessa forma, torna-se por remanescer apenas com um sócio e a continuar no exercício regular das suas atividades, sem a necessidade de observar qualquer lapso temporal, permanecendo como sociedade limitada com todas as características preservadas. O que inclui a responsabilidade limitada do então seu único sócio.

Enfim, que continuemos a enxergar muito mais o aspecto prático e efetivo das coisas do que propriamente interpretações que tenham como objetivo consagrar apenas teses e autores. O que vale é aquilo que permanece como sendo útil, aplicável e efetivo ao progresso econômico da civilização.

Scilio Faver é advogado, sócio do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados, especializado em direito empresarial.

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Fonte: Valor-Legislação, por Scilio Faver - São Paulo, 13/05/2019