Com restrições ainda vigentes para a abertura de seus negócios devido à pandemia da covid-19, muitas empresas do comércio e de serviços enfrentam problemas para pagar dívidas e funcionários. Para evitar uma quebradeira em massa num cenário em que limitações de funcionamento deverão continuar a vigorar por mais tempo, especialistas e representantes desses segmentos apontam a necessidade de medidas mais efetivas que facilitem a tomada de crédito e ofereçam alívio temporário para o pagamento de impostos.

São setores que empregam muito e foram fortemente afetados pela crise – o comércio, por exemplo, tinha 15,869 milhões de trabalhadores nos três meses encerrados em fevereiro, segundo números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua). No primeiro trimestre de 2020, antes do impacto da pandemia, o total mostrava 1,5 milhão de vagas a mais — 17,381 milhões. Duramente atingidos pela crise, os segmentos de alojamento e alimentação (como hotéis e restaurantes), do setor de serviços, empregavam 5,355 milhões no Brasil nos primeiros três meses de 2020, número que encolheu para 4,077 milhões no trimestre encerrado em fevereiro deste ano, de acordo com a Pnad Contínua.

As demandas das empresas para obter recursos para garantir capital de giro foram “parcialmente atendidas”, segundo Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). “O problema é que os volumes são insuficientes. Enfrentamos uma enorme burocracia e os juros normalmente seguem as taxas de mercado”, destaca o dirigente. Segundo ele, desde o início da pandemia, o setor acumula perdas em torno de R$ 90 bilhões.

Faltou ao Brasil, segundo o economista e tributarista Eduardo Fleury, do FCR Law, a oferta de mais linhas de financiamento garantidos pelo governo. Isso evitaria a rejeição nos bancos. Para ele, o fôlego que essas empresas necessitam vai muito além do período de crise sanitária. “É preciso garantir capital de giro para os que sobreviverão”, destaca. Em locais em que não há redução do número de casos e mortes pela covid-19, o fechamento ou a restrição do horário de funcionamento ou o fechamento do comércio e dos serviços continuam necessários.

A redução temporária de impostos também precisa ser analisada com mais ênfase pelo poder público, segundo Daniel Szelbracikowski, especialista em direito tributário da Advocacia Dias de Souza. “Se alguém tem que se endividar numa situação grave como a que vivemos é o Estado, assim como outros países fizeram”, afirma.

O governo tem acenado com medidas. É o caso do adiamento do pagamento dos tributos do Simples Nacional por três meses. Na quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que torna permanente o Programa de Crédito para Micro e Pequenas Empresas (Pronampe). Falta o Senado aprovar o texto.

“São boas medidas, mas em razão da persistência da calamidade tudo isso acaba sendo insuficiente. As empresas, que geram os empregos do país, precisam de um pacote de medidas que contemple questões tributárias, trabalhistas, e que não se limite a dois ou três meses, mas que se estenda num horizonte além de quando toda a população estiver vacinada”, destaca Szelbracikowski.

A persistência da pandemia joga contra os planos que muitos fizeram para recuperar o fôlego e honrar compromissos. “No ano passado, contraímos dívidas com impostos, contas de energia e salários, entre outros, achando que poderíamos pagá-las em 2021”, afirma Percival Maricato, presidente do conselho estadual da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em São Paulo (Abrasel-SP), que representa 250 mil estabelecimentos. “Se as coisas pioraram é preciso ter uma renovação das linhas de crédito”, destaca.

Segundo números da Abrasel, até março de 2020, existiam 1 milhão de negócios do setor no Brasil inteiro, empregando diretamente 6 milhões de pessoas. Desses, 300 mil fecharam as portas em definitivo e mais de 1,2 milhão de trabalhadores foram demitidos no último ano. Nos primeiros quatro meses de 2021, mais 100 mil empregos foram perdidos e mais 35 mil empresas fecharam as portas.

Maricato elogia o relançamento do programa que permite a suspensão do contrato de trabalho. Mas teme pelo acúmulo de outras obrigações, “Nada disso vai adiantar porque lá na frente teremos que pagar as contas”, afirma o dirigente, que reclama, também, da metodologia utilizada pelos governos para definir os horários de funcionamento dos estabelecimentos.

Embora importante, a ajuda por meio de impostos precisa ser analisada com cautela, segundo Fleury. “No caso de estabelecimentos comerciais e serviços, a tributação costuma ser feita com base no faturamento”, afirma. O que torna a ajuda insuficiente em alguns casos. E se o contrato do trabalhador está suspenso, diz o advogado tributarista, a despesa com FGTS também é automaticamente suspensa. “O Brasil não é como os Estados Unidos, que ofereceu grande volume de recursos às empresas, mas precisa ser mais generoso. Esses casos precisam de uma estrutura de financiamento melhor; é preciso dar um alívio nas dívidas que esses setores carregam”.

Enquanto o socorro financeiro não chega, os comerciantes se viram como podem. O Dia das Mães é emblemático. Humai, da associação dos shopping centers, afirma que neste ano 91% dos 601 shoppings do país ofereceram serviços de “delivery” e 77% o “drive thru”, por meio do qual o cliente pega as compras na porta do estabelecimento comercial.

Já Maricato, da associação dos bares e restaurantes, está mais preocupado com a questão dos horários reduzidos. Ele diz que não pode “tocar nenhum cliente para fora do restaurante no meio da refeição”. Muito menos uma mãe.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Marli Olmos, Valor — São Paulo, 10/05/2021