O mercado imobiliário tem funções bastante objetivas na construção das cidades. Dentre elas, identificar e suprir as necessidades da população no que diz respeito a produtos imobiliários, de tal forma que seja possível equilibrar oferta e demanda.

Na busca por esse equilíbrio, é importante não só compreender com profundidade os anseios e as carências do mercado, mas os modelos de produção que permitem ofertar os produtos desejados, por preços que as pessoas possam pagar.

Do ponto de vista do equilíbrio regional, cada unidade produzida diminui o nível da demanda. Entretanto, do ponto de vista da vizinhança, construir menos, aparentemente, significa manter a tranquilidade local. Logo, as regras de zoneamento devem arbitrar esse conflito, estruturando modelos e soluções mais adequadas para a cidade.

Os regramentos oriundos das leis de zoneamento são fundamentais para organizar e direcionar de forma apropriada o crescimento da cidade. Contudo, a legislação também pode influir de forma indireta nos custos de produção e, portanto, no preço final das unidades destinadas aos usuários.

Se não houver produção em bairros mais desenvolvidos e com alta demanda, os empreendedores e as pessoas que procuram moradias serão redirecionados para os bairros menos desenvolvidos e mais próximos. Isso aumenta a demanda local e leva à gentrificação. Por outro lado, essa falta de produção em locais mais desenvolvidos, que pressiona os locais menos desenvolvidos, pode desencadear profundas mudanças na essência dos produtos imobiliários.

Esse é o caso da cidade de São Francisco, nos EUA. Na busca por atender a demanda em determinados locais da cidade, em razão de restrições impostas pela legislação de zoneamento, empreendedores foram obrigados a adequar a oferta de produtos aos custos de produção. A empresa Starcity está lançando, em bairros mais nobres, empreendimentos com apenas um dormitório, banheiro compartilhado ao final do corredor, sem cozinha ou sala de estar individualizadas. Eles lançaram três empreendimentos e têm mais nove em desenvolvimento, com uma fila de espera de 8.000 clientes.

Em Toronto, segundo a Associação Canadense de Mercado Imobiliário, os preços das unidades habitacionais subiram no último ano mais de 23%. A causa apontada é a existência de uma legislação de zoneamento ultrapassada, que limita os terrenos disponíveis para a produção habitacional, impossibilitando aos empreendedores o atendimento das necessidades de mercado. Isso acarreta o desequilíbrio entre oferta e demanda e, consequentemente, a elevação dos preços.

É bastante claro que os preços dos produtos imobiliários não são regulados exclusivamente pelas restrições de zoneamento. Características regionais, tecnologia, custo dos insumos, níveis de emprego, desempenho da economia, padrões de comportamento social, entre outros, também interferem na estruturação dos preços. Entretanto, embora indiscutível que as restrições impostas pela legislação de zoneamento têm função importante na organização e no direcionamento do desenvolvimento urbano, muitas vezes elas podem criar um conjunto de consequências não intencionais, que elevam os preços e prejudicam os próprios consumidores.

Existem aqueles que pregam, em benefício da viabilidade da produção habitacional, uma desregulamentação quase total dos modelos de uso e ocupação do solo, como em Houston, cidade sem legislação de zoneamento, que se tornou uma das mais prósperas áreas metropolitanas dos Estados Unidos.

Acredito que essa não seja uma boa solução para as cidades brasileiras. No entanto, a influência do regramento é significativa e deve considerar em sua formulação não só questões urbanísticas, mas todos os outros fatores que envolvem os modelos econômicos de produção, sob pena de não atingirmos o objetivo de desenvolver a cidade de forma equilibrada.

Claudio Bernardes
É engenheiro civil e presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP.

Fonte: Folha de São Paulo - Morar , por Claudio Bernardes, 16/04/2018