A área econômica do governo dispõe de uma lista com 67 medidas necessárias para destravar o desenvolvimento do mercado de capitais no país. São, em geral, exigências excessivas, regras complicadas demais ou cobrança inadequada de impostos que desestimulam o investidor.

Exemplos não faltam. A recente regulação brasileira dos fundos patrimoniais ("endowment funds") exige a identificação de absolutamente todos os cotistas. Mas é da natureza desses fundos a existência de cotistas que eles próprios não sabem quem são.

Outra questão é o "hedge" cambial para investimentos de longo prazo. Quando um investidor de projetos de infraestrutura faz o "hedge" cambial sobre operação de crédito, ele fica sujeito a cobrança de imposto sobre o resultado dessas operações em bases anuais. Isso o obriga a pagar o tributo nos anos em que o câmbio se deprecia e ele ganha, sem possibilidade de compensar nos exercícios em que a taxa de câmbio se aprecia e, portanto, ele tem prejuízo.

Crédito privado pode ser a faísca que vai acender a economia

A solução é fazer o que já fizeram outros países, como a Malásia e a Austrália, que cobram o imposto sobre todo o período de duração do "hedge".

Há, também, uma família de medidas para a redução do custo para empresas de pequeno porte emitirem dívida, que é muito alto. A empresa precisa de recorrer a um banco e a exigência de publicação de informações é excessiva, na avaliação de fontes qualificadas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende abrir o país à concorrência internacional. O processo de fechamento do câmbio no Brasil, porém, é muito complicado, uma herança dos tempos em que o país era vulnerável a crises do balanço de pagamentos. Se há o objetivo, no futuro, de se ter uma moeda conversível, há vários passos intermediários de simplificação possíveis.

Essas medidas começaram a ser discutidas por um grupo de economistas que se juntou a Paulo Guedes tão logo ele assumiu a coordenação do programa do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Por um ano, eles se encontraram uma vez por semana, no escritório de Guedes, no Leblon (Rio). Inicialmente eram seis, mas no fim da campanha essa equipe chegou a contar com 42 colaboradores.

Na discussão do programa econômico do governo, foram estabelecidas algumas premissas e definida uma moldura mais macroeconômica para o mercado financeiro.

Tudo o mais constante, a indústria financeira tem capacidade de alavancar o crescimento do país. Mas, para isso, há várias amarras no mercado de capitais que precisam ser desatadas.

Um segundo aspecto foi responder à pergunta sobre o que acontece ao se reverter o "crowding out" - aumento do gasto público fiscal e parafiscal (a exemplo do BNDES) ocupando espaço que poderia ser do setor privado. Acredita-se que a redução do crédito público é seguida da multiplicação do "funding" privado. O encolhimento dos financiamentos do BNDES mostrou que isso, na prática, é verdade, pois o crédito livre e as operações no mercado de capitais tiveram aumento, embora ainda não na proporção desejada.

Os especialistas identificam pelo menos um efeito básico do encolhimento do crédito oficial, que é quando a curva de juros de curto e de longo prazo tende a ficar "flat". Ou seja, deixa de precificar um aperto nas condições financeiras devido à disputa do setor público por recursos do mercado. Com a melhora do quadro fiscal, alguns projetos de longo prazo do setor privado que antes não faziam sentido passam a ser viáveis.

Estudos apontam para a correlação entre resgate de dívida pública (redução do endividamento) e aumento das emissões do setor privado: para cada R$ 100 bilhões de resgate de títulos públicos, abre-se espaço de R$ 140 bilhões para emissões de papéis de empresas privadas.

Entre o trabalho realizado no ano passado pelo grupo do Leblon e a efetiva mudança há o prazo de adaptação e conhecimento das regras do jogo em Brasília. Parte do extenso lote de medidas demanda aprovação do Congresso. Pouca coisa pode ser feita por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) ou por resoluções e circulares do Banco Central.

Assim, está sendo feito um trabalho para aglutinar medidas afins em poucos projetos de lei, para não atolar o Congresso com muitos projetos ou medidas provisórias.

Há, ainda, a batalha pela redução do "spread" bancário, que encarece sobremaneira o custo do capital no país. O "spread", que representa a diferença entre o custo de captação e dos empréstimos, tem a seguinte composição: 37,36% correspondem à inadimplência do tomador de crédito, 22,74% são o custo financeiro, e outros 24,97%, o custo operacional. A margem de lucro do sistema bancário, por essas contas, é de 14,9% - que não é elevada na comparação internacional.

O foco de ação, nesse caso, é na inadimplência, em que há muito o que fazer. De cada R$ 1 emprestado pelos bancos, cujo tomador está inadimplente, recuperam-se apenas 13 centavos (valor nominal) depois de uma disputa na Justiça que leva, em média, quatro anos.

No México, por exemplo, recupera-se bem mais, entre 50% a 60% em média, em pouco mais de um ano. Lá, porém, há um sistema melhor de garantias e o processo de cobrança não é judicializado. O custo do crédito no México é de 11,7%, em média, para uma taxa básica de juros de 8,25% ao ano. Uma simulação feita por técnicos oficiais indica que, transportando para o México as condições de inadimplência brasileira, o custo de credito, lá, sobe para 30% ao ano.

Há na legislação tributária brasileira uma outra disfunção. A inadimplência gera provisão do banco sobre a qual incide imposto de renda.

Há, por parte dos grandes bancos, a projeção de expansão do crédito entre 10% e 12% neste ano. Entre os economistas oficiais, cria-se a expectativa de que essa seja, quem sabe, a faísca que vai acender e aquecer a atividade econômica.


Fonte: Valor, por Claudia Safatle, 12/04/2019