O mundo enfrentará uma lacuna de 40% no abastecimento de água até 2030. O acesso inadequado a água e saneamento custa US$ 323 bilhões anuais à economia global. Quase dois terços dos maiores aquíferos do mundo estão sendo exauridos. A demanda mundial para a produção agrícola e energética deverá crescer 60% e 80%, respectivamente, até 2025. O acesso universal à água potável e ao saneamento custaria US$ 115 bilhões ao ano. A agricultura usa 70% da água disponível globalmente. Mais de dois bilhões de pessoas não têm acesso a água potável. O dramático desafio global da questão da água, que vem sendo mapeado em inúmeras frentes, tem, contudo, uma boa notícia: a "infraestrutura verde".

O conceito ainda pouco conhecido será abordado na 8ª edição do Fórum Mundial da Água, que reúne esta semana em Brasília 10 mil representantes de empresas, instituições, universidades e governos. É a ideia-chave do relatório "Soluções baseadas na Natureza para a Gestão da Água", o principal estudo da ONU a ser lançado durante o evento. Elaborado por especialistas de 31 agências das Nações Unidas e 39 parceiros internacionais, o estudo relata como elementos naturais podem ajudar no abastecimento, saneamento, redução de riscos e desastres ou na drenagem urbana, por exemplo.

"É uma estratégia subestimada. Só 5% das soluções globais para problemas de água são baseadas na natureza. Os outros 95% são estruturas tradicionais de gerenciamento de água", disse ao Valor o hidrólogo Stefan Uhlenbrook, diretor do Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos liderado pela Unesco e coordenador do estudo. "Essas soluções podem ser muito mais baratas", continua.

A cidade de Nova York é um exemplo famoso de iniciativas do gênero. No fim dos anos 1990, o governo nova-iorquino desistiu de investir quase US$ 10 bilhões em uma estação de tratamento de água e preferiu concentrar esforços em proteger as três bacias hidrográficas com reflorestamento e gricultura sustentável. Hoje a cidade economiza mais de US$ 300 milhões em tratamento de água. A China, por sua vez, planeja investir no projeto das "cidades-esponja". A ideia é reciclar 70% da água da chuva em 16 cidadespiloto, além de permitir maior infiltração e recarga do lençol freático utilizando asfaltos mais permeáveis.

O Rajastão, na Índia, superou os danos de uma das piores secas de sua história trabalhando com as comunidades locais para estabelecer estruturas de coleta de água, reflorestar e recuperar solos. Conseguiram ampliar em 30% a cobertura florestal, o nível da água subterrânea subiu alguns metros e a produtividade agrícola aumentou. "Não quero, no entanto, ser apenas um advogado verde. Algumas vezes necessita-se da infraestrutura tradicional", segue Uhlenbrook. Ele cita, por exemplo, efluentes industriais muito contaminados ou rejeitos hospitalares.

Os desafios da água se traduzem diretamente nos negócios. Crises hídricas locais têm efeitos na economia global - uma seca no Brasil pode impactar os preços dos alimentos na Europa. "A crise global da água é uma emergência silenciosa", diz Guang Z. Chen, diretor sênior de Práticas Globais de Água do Banco Mundial. "Estamos vendo o que acontece na Cidade do Cabo, em Brasília ou a recente crise hídrica de São Paulo. Não haverá água suficiente para todos se seguirmos assim", continua.

A preocupação com escassez hídrica e gestão mais eficiente da água não tem a mesma prioridade, nas empresas, que assuntos relativos a mudança do clima e biodiversidade. "Temos que traduzir o que os desafios da água significam para o desenvolvimento. O cenário ficará difícil", diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne 60 grandes empresas no Brasil.

O CEBDS elaborou o "Compromisso Empresarial Brasileiro para a Segurança Hídrica" procurando colocar a gestão mais eficiente da água na estratégia de negócios, incluir o tema na análise de riscos das empresas e medir os resultados. Outra meta é incentivar projetos compartilhados de reuso ou proteção de mananciais, promover o engajamento da cadeia e ajudar pequenas e médias indústrias com novas tecnologias. "Quando o tema é água, as empresas, se agirem sozinhas, não terão tanto impacto quanto se o fizerem juntas", diz Marina Grossi.

"Água é um insumo invisível. Temos que dar visibilidade a ele", diz Haroldo Machado Filho, assessor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Pnud.

Fonte: Valor - Macroeconomia, por Daniela Chiaretti, Rafael Bitencourt e Cristiane Bonfant, 19/03/2018