Existem atualmente duas linhas de propostas de reforma tributária envolvendo a criação de um imposto sobre o valor agregado (IVA) sobre o consumo de bens e serviços: uma linha tramita no Congresso baseada em um IVA-IBS único (PEC 45-19 e PEC 110-19). A PEC 45-19 unifica cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS), sendo que a PEC 110-19 centraliza nove tributos: os cinco mencionados mais Pasep, Cide, IOF e Salário Educação. Os períodos de teste, implementação e a transição da cobrança da origem para destino variam. Na PEC 45-19 o período de implementação é de 10 anos e o da transição para o destino de 50 anos. Na PEC 110-19 os períodos são de 6 e 15 anos, respectivamente.

Há também a conhecida proposta do IVA Dual elaborada pelo IPEA (2018). Esta continua circulando sem o devido destaque no parlamento, apesar do ministro da Economia já ter se pronunciado favoravelmente a esta proposta.

A proposta do IVA-IBS com um processo de convergência longo equivale fazer remendo novo em tecido velho

As propostas que circulam no Congresso são conceitualmente parecidas com a do IPEA, no entanto, a diferenciação diz respeito a sua efetividade, rapidez e praticidade. O IVA Dual-IPEA propõe que a competência do novo imposto seja repartida entre a esfera federal, unificando o PIS, Cofins e IPI e, na esfera estadual e municipal, o IVA unificaria o ICMS e o ISS. Daí a denominação de dual (IVA-União; IVA-Estados e municípios).

Os dois modelos convergem no sentido de propor um modelo de IVA tal como aplicado em mais de 170 países. A cobrança dos impostos será feita no destino do consumo e não mais no local da produção, o que acaba com a guerra fiscal. Além disso, quer seja no sistema de IVA-IBS único ou no IVA Dual-IPEA, as principais distorções tributárias (tributação em cascata, restrição no crédito, incontáveis benefícios fiscais e alíquotas variadas) serão eliminadas. Ambos os modelos (PEC-45 e IPEA) também propõem uma alíquota única aplicada a todos os bens e serviços.

O IVA possibilitará a uniformização da carga tributária entre os setores e uma maior eficiência na arrecadação e produtiva. Permitirá a redução do preço final para o consumidor e promoverá a inclusão tributária de todas as empresas e dos prestadores de serviços. Nesse sentido, com a eficiência do modelo, o IPEA estimou uma carga tributária menor sem afetar o equilíbrio fiscal dos governos.

No entanto, as propostas de IVA-IBS único trazem novas e não desprezíveis incertezas quanto à eficácia operacional e a viabilidade de sua implementação. Primeiro, não está claro nem definido como ocorrerá na prática a competência partilhada entre os entes e a operacionalização da arrecadação através de um comitê gestor nacional.

Tendo em vista que os entes federados estão longe de desfrutarem de igualdade de poder político e econômico, os riscos são de duas ordens: uma centralização do poder de implementar, modificar e arrecadar o novo tributo nas mãos da União; ou, o que é pior, uma captura das decisões pelos Estados, principalmente os mais ricos. Em ambos os cenários, as consequências serão de paralisia decisória, insegurança jurídica e possibilidade de distorção do sistema em favor do interesse de certos entes. Na esfera tributária, o país tem um histórico de um federalismo competitivo e, mesmo diante da urgência da reforma tributária, esta característica não desaparecerá. A reforma tributária deveria, portanto, evitar e não incentivar o compartilhamento de competência e gestão do tributo entre os entes.

O período de transição origem/destino na PEC 45-19 será de 50 anos, e na PEC 110-19 será de 15 anos. A diferença de tempo de implementação, 35 anos, demonstra a dimensão da incerteza entre elas. Na PEC 45-19, a sistemática ocorrerá em um processo gradual de aumento da alíquota do novo sistema IBS e uma redução equivalente da alíquota dos tributos atuais, de sorte que, em 10 anos o atual sistema desapareceria e o novo estaria funcionando integralmente. Essas proposições desconsideram o histórico de inúmeras “transições” inacabadas na legislação brasileira (tal como a possibilidade de creditamento pleno dos créditos sobre bens de uso e consumo que foi prorrogada para 2033).

O modelo tem como premissa que em meio século o cenário econômico permanecerá estável tanto no tocante à arrecadação como nos gastos públicos federais e que as reformas estruturais críticas (patrimonial, administrativas, pacto federativo, abertura econômica) terão sido aprovadas pelo Congresso Nacional antes de o novo modelo tributário entrar em vigor. E nenhuma crise internacional ocorrerá. Em resumo, o IVA-IBS único trará poucos avanços imediatos para inserir a economia brasileira nas oportunidades competitivas globais, e mais, criando incertezas jurídicas no processo de unificação dos tributos.

O IVA Dual-IPEA, por outro lado, tem o mérito da simplicidade, operacionalidade e maior facilidade para aprovação e implementação. A primeira vantagem refere-se à implementação imediata e sem necessidade de Emenda Constitucional, da unificação dos impostos federais - PIS, Cofins e IPI, sem qualquer período de transição origem-destino. A implementação do IVA nos Estados e municípios, que requer Emenda Constitucional, poderá ser concomitante e também imediata, sem período de transição.

O modelo não depende de acordos entre União e Estados para aprovação. Não haverá competência ou administração compartilhada, cada ente terá o poder tributário com relação ao seu próprio tributos. Caso o IVA-Federal seja implementado primeiro, o aprendizado com a União será útil na reforma tributária nos demais entes federados. A aprovação das reformas estruturais será importante para dar mais segurança institucional à reforma tributária. Uma vez alcançadas estas reformas, a efetivação do IVA Dual nos Estados e municípios será exitosa e feita de uma só vez, sem prazo de transição.

A proposta do IVA-IBS com um processo de convergência longo (de 15 ou 50 anos) do atual para o novo sistema tributário equivale fazer um remendo novo em um tecido velho. Ambos romperão.

Ernesto Lozardo é professor de economia na EAESP-FGV

Melina Rocha Lukic é advogada e professora universitária, doutora pela Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3.


Fonte: Valor-Opinião, por Ernesto Lozardo e Melina Lukic, 16/03/2020