Afetados pela crise fiscal e pela menor receita das operadoras estaduais, os investimentos em esgotamento sanitário caíram 26,2% em termos reais entre 2015 e 2016, de R$ 5,7 bilhões para R$ 4,2 bilhões. Foi o segundo ano consecutivo de queda. As obras do setor ficaram 36,2% abaixo do pico registrado em 2014 e em nível semelhante ao de 2008.

Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades, e foram reunidos pela GO Associados. Eles incluem a construção de novas redes e a ampliação e modernização das já existentes. Segundo a consultoria, a tendência é que o volume de investimento no setor tenha se mantido no mesmo nível no ano passado. "Não dá para esperar nenhum aumento substancial", diz Pedro Scazufca, economista e sócio da GO.

Em 2016, a queda foi disseminada entre os responsáveis pelas obras, mas o maior recuo foi de longe o dos governos estaduais, tanto em termos percentuais (86,7%) quanto em valores absolutos (R$ 934 milhões). "Isso está associado diretamente à crise fiscal, não há nenhuma dúvida", afirma Scazufca.

As empresas prestadoras de serviços estaduais também investiram menos do que em 2015. A queda foi de 12% em termos percentuais, mas superou R$ 500 milhões em valores absolutos. "A crise hídrica que atingiu alguns Estados diminuiu a receita das companhias e, consequentemente, a capacidade de investir", diz Scazufca, citando Minas Gerais como exemplo.

Em relação a 2015, as duas empresas que operam em Minas cortaram investimentos de saneamento, que levam em conta não só obras de esgotamento sanitário, mas também de coleta, tratamento e distribuição de água. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) reduziu em R$ 527 milhões (quase 56%) as obras no período. Já o braço da Copasa que cuida das regiões norte e nordeste de Minas (Copanor), as mais pobres do Estado, cortou R$ 48,8 milhões (73%) dos investimentos.

Em 2016, o esgotamento sanitário atendia 51% da população brasileira, mas um número menor ainda (44%) tinha o esgoto devidamente tratado. Na média, os índices brasileiros são piores do que os de alguns dos países vizinhos, como Chile, Argentina e Colômbia. "Temos números muito ruins para os padrões econômicos que atingimos", afirma Édison Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil, instituto formado por empresas que atuam no setor.
 
A tendência é que a queda dos investimentos deixe o Brasil em situação ainda mais precária nos próximos anos, segundo ele. "Os nossos indicadores vinham melhorando desde a implantação do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento, que teve início em 2007]. Agora a gente perde os poucos
avanços que tivemos, à medida que os investimentos não acompanham nem o crescimento das cidades", afirma o presidente do Trata Brasil.

Em 2017, a situação ainda difícil das contas públicas deve ter atrapalhado qualquer expansão mais significativa das obras de esgotamento. "Além disso, os balanços das operadoras estaduais não indicam nenhum crescimento expressivo dos investimentos", afirma Scazufca.

Apesar de a queda desse tipo de investimento ser relativamente nova, a principal consequência é bastante conhecida: a proliferação de doenças como leptospirose, esquistossomose, dengue, diarreia e hepatite A. "Costumo dizer que o Brasil tem uma economia do século XXI com doenças do século XIX", diz Carlos. Mas há também novas enfermidades ligadas à falta de esgotamento, como a zika e a chikungunya. "Historicamente, quedas no atendimento de esgoto são acompanhadas por alta em gastos com saúde." 

Nos dez municípios brasileiros com os piores índices de esgotamento sanitário, os gastos per capita com doenças de veiculação hídrica são quase cinco vezes superiores aos gastos das dez cidades com os melhores índices. Já as internações decorrentes dessas doenças são 2,6 vezes maiores no grupo dos dez piores. Os dados são do Trata Brasil.

"O que você gasta com saneamento hoje economiza com saúde manhã", diz Scazufca. "É um investimento que faz todo o sentido, tanto em termos de qualidade de vida quanto em termos econômicos."

Para o presidente do Trata Brasil, "os avanços acabam ficando concentrados onde os números já são bons". Nos cálculos do instituto, dos R$ 11,5 bilhões investidos em 2016 em saneamento básico, R$ 4,5 bilhões ficaram concentrados no Estado de São Paulo. Por outro lado, na região Norte somente  10% da população tem acesso a tratamento de esgoto adequado.

Parte importante das operadoras dos Estados mais pobres do Brasil "está quebrada, não consegue nem pagar as próprias contas", afirma Carlos. O especialista defende que é necessária postura mais ativa do governo federal nessas localidades. "Pode ser por meio de induções de parcerias com o setor privado, por exemplo", diz.

Para agravar a situação, Carlos não descarta novas quedas dos investimentos no país depois de 2016, dada a restrição fiscal do setor público. Por isso, ele defende uma "regulação mais clara" para a ampliação das parcerias com empresas privadas.

Uma proposta é aproximar as normas estabelecidas pela Agência Nacional de Águas (ANA) das regras usadas pelas outras agências reguladoras do setor existentes no Brasil. Há aproximadamente 50 agências ligadas a governos estaduais e municipais espalhadas pelo país.

O combate ao desperdício de distribuição de água, segundo Scazufca, também pode ajudar. No Brasil, entre perdas físicas e comerciais, como os vazamentos e as ligações clandestinas, esse índice é de 38%. "Perda de água significa menos receita para as empresas e, consequentemente, menos recursos para investir", diz.

O economista calcula que o desperdício na distribuição tire anualmente R$ 8 bilhões do caixa dessas companhias. "Se o desperdício cai pela metade, são R$ 4 bilhões a mais por ano. Uma parte disso poderia virar investimento", afirma.

Com tamanhas dificuldades, a GO Associados projeta que a meta de universalização do atendimento de esgotamento sanitário em território brasileiro, estabelecida pelo Plano Nacional de Saneamento Básico em 2013, só será atingida em 2054. Isso representaria atraso de mais de duas décadas em relação ao objetivo de todo o país ter coleta de esgoto em 2023.

Fonte: Valor - Macroeconomia, por Estevão Taiar, 12/03/2018