Em artigo recente publicado neste jornal a respeito dos prazos na recuperação judicial, concluiu-se que o prazo de "fiscalização judicial" decorre da lei e que o "prazo de carência para início dos pagamentos" resulta da convenção entre as partes, não havendo fundamento legal para o segundo determinar a contagem do primeiro.

Volto ao tema dos prazos na recuperação judicial com o objetivo de estimular a reflexão a respeito da compatibilidade das normas do Código de Processo Civil (CPC) com as normas da Lei n° 11.101/2005.

O CPC estabeleceu a contagem dos prazos para a prática dos atos processuais em dias úteis (art. 219), ao passo que a Lei 11.101 é omissa a respeito. Embora respeitáveis as opiniões dos que sustentam a incompatibilidade da contagem dos prazos em dias úteis com a suspensão do curso das ações e execuções contra o devedor pelo prazo máximo de 180 dias a partir do deferimento do processamento do pedido (stay period), não se pode concordar com tal entendimento.

A lei considerava o prazo de 180 dias corridos suficiente para a reorganização porque o procedimento por ela instituído estava fundado na contagem dos prazos para os atos processuais em dias corridos, de acordo com a regra prevista no CPC de 1973: Deferido o processamento e publicado o edital, o devedor deveria apresentar o plano em 60 dias corridos; publicado aviso aos credores, eles contariam com 30 dias corridos para as objeções; a AGC deveria ser realizada em até 150 dias corridos contados do deferimento. 

Portanto, de acordo com a Lei 11.101 e o CPC de 1973, em 180 dias corridos o procedimento deveria estar encerrado, com a concessão ou não da recuperação. O "stay period", como se percebe, foi fixado em função dos prazos processuais contados em dias corridos, segundo o CPC de 1973.

A partir da vigência do CPC de 2015, os advogados foram contemplados com esta nova forma de contagem de prazos em dias úteis. Os sistemas informatizados de processos foram adaptados à nova forma de contagem dos prazos.

Por força do art. 189 da Lei 11.101, c/c o art. 219 do novo CPC, os prazos para a prática dos atos processuais na recuperação devem ser contados em dias úteis e há reflexo automático na contagem do "stay period", que passa a ser de 180 dias úteis.

Essa forma de contagem dos prazos processuais e do stay period, além de estar de acordo com o novo sistema processual e adequada à lógica de fixação de um ponto final para o procedimento de recuperação, evitará os pedidos de prorrogação do prazo de suspensão, hoje tão frequentes e que prejudicam a credibilidade do instituto.

Outras normas que merecem reflexão são os arts. 190 e 191 do CPC: as partes podem estabelecer mudanças no procedimento e instituir regras sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, além de instituir calendário processual.

No processo de recuperação, devedor e credores buscam uma solução negociada para a superação da crise. Não há incompatibilidade alguma entre o modelo de negociação sobre direito material (valores, prazos e condições de pagamento etc) e o modelo agora adotado para o direito processual (negociação sobre forma e prazos para a realização dos atos, alteração do procedimento, fixação de datas para publicações etc).

Por exemplo, devedor e credores podem pactuar o voto escrito a respeito do plano e não em assembleia, desde que seja possível ao administrador judicial conferir a autenticidade dos votos. Podem ajustar a comunicação dos atos processuais mediante publicação no endereço eletrônico do administrador judicial, eliminando-se os custosos editais. Também é possível disciplinar o prazo de fiscalização judicial, convencionando-se o encerramento do processo no ato de concessão da recuperação.

Há quem se insurja contra a eliminação do prazo de fiscalização sob o fundamento de que foi ele instituído por norma cogente. Porém, se os credores podem decidir sobre o conteúdo do seu direito de crédito, não há razão para proibi-los de escolherem se querem ou não fiscalizar o devedor e como irão fazê-lo.

Os credores podem optar por uma fiscalização extrajudicial, nomeando pessoa de sua confiança, com acesso à contabilidade e ao caixa da recuperanda. Tal forma de monitoramento das atividades do devedor poderá ser mais barata e menos burocrática, superando a fiscalização pelo administrador judicial.

Ademais, a permanência do devedor em processo de recuperação judicial, por dois anos, tem mais efeitos negativos do que positivos. São os gastos com assessores financeiros, advogados e a equipe do administrador judicial. O acesso ao crédito é mais difícil e mais custoso, pois as instituições financeiras são obrigadas a adotar provisões mais conservadoras nas operações com os devedores em recuperação.

O encerramento imediato do processo, no momento em que concedida a recuperação, não causará prejuízo aos credores, que a qualquer tempo poderão requerer a falência ou a execução, caso seja descumprido o plano pelo devedor.

Portanto, o novo CPC deve ser aplicado aos processos de recuperação judicial, permitindo a contagem dos prazos em dias úteis e a celebração dos negócios jurídicos processuais, contribuindo para o aumento da eficiência do procedimento destinado à superação da crise empresarial.

Paulo Furtado de Oliveira Filho é juiz titular da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor - Legislação, por Paulo Furtado de Oliveira Filho, 02/03/2018