Se o substitutivo da proposta de emenda constitucional (PEC) 186, apresentado ontem pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), for aprovado, o governo terá os meios para conter as despesas e fechar o Orçamento deste ano e também o de 2022, respeitando o teto de gastos. Para a União, a PEC prevê dois “gatilhos” que acionam as medidas de ajuste fiscal.

Em situação normal, as medidas poderão ser adotadas se a despesa obrigatória primária, submetida ao teto de gasto, superar 95% da despesa primária total. A proposta orçamentária para este ano, que ainda não foi votada, foi elaborada com a projeção de que a despesa obrigatória primária, submetida ao teto, ficaria em 94,2% do limite.

O problema é que a proposta, elaborada em agosto de 2020, utilizou um INPC de apenas 2,09% no ano passado, quando ele terminou o ano em 5,45%. O INPC corrige o salário mínimo, os benefícios previdenciários e assistenciais. Com isso, a proposta terá que ser substancialmente modificada. Fontes credenciadas disseram ao Valor que a despesa obrigatória primária está em torno de 98% do teto, o que aciona o “gatilho” das medidas.

A expectativa é que para o próximo ano ela também ficará acima do limite, pois ainda não existe a proibição de reajuste salarial para os servidores, já adotada para 2021. Ao disparar o “gatilho”, o governo poderá não conceder aumento aos servidores também em 2022, entre outras medidas. A PEC proíbe ainda elevação do valor de benefícios de cunho indenizatório destinados a qualquer membro de Poder, servidor ou empregado da administração pública.

Se o Congresso Nacional decretar situação de calamidade pública por conta do recrudescimento da pandemia de Covid-19, como faculta a PEC 186, a União também terá que adotar as medidas de ajuste pelo prazo de dois anos. Ou seja, estará proibida de conceder aumento de salários para os servidores, realizar concurso público, alterar estrutura de carreiras, criar ou ampliar auxílios, instituir despesa obrigatória e adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Essas medidas compensariam a prorrogação do auxílio emergencial.

Para os Estados e municípios, a PEC estabelece que se as despesas correntes superarem 95% das receitas correntes, apuradas no período de 12 meses, é “facultado” aos governadores e prefeitos aplicar as medidas de ajuste. Portanto, a adoção do aperto fiscal não é uma exigência a ser cumprida por eles na situação definida pela PEC. Há, no entanto, um “gatilho” intermediário.

Quando a despesa corrente superar 85% da receita corrente, o governador ou o prefeito poderá adotar as medidas de ajuste fiscal. Mas terá que submetê-las ao Poder Legislativo. O ato perderá eficácia se for rejeitado pelo Legislativo, mas será reconhecida a sua validade durante a sua vigência. Também perderá eficácia se não for apreciado no prazo de 180 dias.

Se o Congresso decretar a calamidade pública por conta da pandemia, os Estados e municípios também serão obrigados a adotar medidas de ajuste fiscal e elas terão a duração de dois anos. Assim, eles teriam que congelar os salários dos seus servidores também em 2022. Várias Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais já aprovaram reajuste para os servidores a partir de janeiro do próximo ano. Elas teriam, portanto, de cancelar as medidas.

É interessante observar que o substitutivo da PEC 186 acaba com as punições para o Poder ou órgão público que descumprir o teto de gastos. Este é o reconhecimento da impossibilidade de que isso ocorra, ou seja, de que o teto seja descumprido, da forma como está redigida a emenda constitucional 95/2016.

Outro mudança importante é que o acionamento das medidas de ajuste ocorrerá, de acordo com a PEC 186, no processo de aprovação da lei orçamentária. Não fica claro, no texto, se é o relator-geral da proposta que fará o ajuste ou ele solicitará ao governo que refaça as estimativas de gasto.

 

Fonte: Valor Econômico - Política, por Ribamar Oliveira — De Brasília, 24/02/2021