Para além da solução momentânea de zerar temporariamente os tributos federais sobre o diesel, o governo pretende colocar em funcionamento, no segundo semestre do ano, novas medidas de apoio aos caminhoneiros. Estarão sob o guarda-chuva do Documento de Transporte Eletrônico (DT-e), um instrumento que vai simplificar a documentação do frete, formalizar o trabalho dos autônomos, facilitar sua bancarização e permitir a criação de recebíveis de frete. Para isso, o governo negocia com bancos e fintechs para tentar oferecer o serviço ainda neste ano.

Por meio do sistema bancário, será possível aos motoristas receber antecipadamente o valor do serviço de transportes. Os recebíveis poderão substituir um esquema informal chamado carta-frete, operado por postos de combustíveis, no qual o caminhoneiro obtém parte do valor do serviço antes de realizá-lo. Porém, é obrigado a comprar combustível em postos selecionados, que cobram de 20% a 30% acima do mercado.

“O problema dos caminhoneiros é macroeconômico, não é questão do preço do diesel”, disse ao Valor o secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, referindo-se ao fato que há excesso de caminhoneiros diante da demanda por transporte. O combustível, reconheceu, é um gatilho que acirra os ânimos quando o preço está muito elevado. Mas, em tese, deveria ser problema do embarcador, e não do caminhoneiro.

O mercado de transporte movimenta perto de R$ 200 bilhões ao ano, mas tem custos de transação elevados, disse. Estima-se que haja um custo em torno de R$ 40 bilhões em tempo perdido com burocracia e fiscalização. Nada menos que 41 documentos são exigidos para transportar uma carga, o que alimenta uma rede de agenciadores e despachantes.

No fim das contas, 40% do valor do frete fica com intermediários, e apenas 13%, com os caminhoneiros. “O embarcador paga muito e o caminhoneiro recebe pouco”, comentou o secretário. A expectativa é que, com o DT-e (que reunirá toda a papelada em um registro digital único), a parcela do caminhoneiro suba para 39% e a dos intermediários recue para 20%. A fiscalização será feita com os caminhões em movimento.

Os caminhoneiros veem outro ganho com o DT-e: a fiscalização. Eles consideram que a maior conquista da greve de 2018 foi o estabelecimento de pisos mínimos para o frete. Reclamam da falta de verificação por parte do governo.

Do ponto de vista do governo, porém, o DT-e é mais do que isso. É base para que o caminhoneiro tenha acesso a produtos bancários que hoje não consegue acessar. “O desenvolvimento de recebíveis de frete é um trabalho conjunto entre os ministérios da Infraestrutura e da Economia que visa a aumentar a eficiência econômica no uso das garantias”, disse ao Valor o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. “Isto aumentará o acesso dos caminhoneiros ao mercado de crédito, com condições e taxas mais adequadas.” Com isso, é esperado que tenham um ganho “significativo” de renda.

Os recebíveis do frete vão na mesma linha dos recebíveis do FGTS e do cartão de crédito, comentou o secretário. “A agenda de fortalecimento das garantias é central na Secretaria de Política Econômica.”

No diálogo com bancos e fintechs para tentar oferecer o serviço ainda em 2021, Sampaio disse que o DT-e pode funcionar como comprovante de renda e facilitar a obtenção de empréstimos pelos caminhoneiros.

Pelo seu impacto, o DT-e já foi classificado pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, como uma agenda ainda mais importante para sua pasta do que o programa de concessões. O mecanismo está em discussão há alguns anos, mas ganhou senso de urgência no atual contexto de preocupação com o preço do diesel.

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei, de número 6.093/2019, que regula o DT-e. É uma prioridade legislativa do governo. Enquanto não é aprovado, a ideia é colocar o DT-e em operação piloto.

Sampaio contou que trabalhava na Casa Civil quando ocorreu a greve de 2018. A diferença em relação ao quadro atual, disse, é que agora não há adesão de transportadoras e embarcadores a uma paralisação. A mobilização é feita por lideranças isoladas dos caminhoneiros autônomos.


Fonte: Valor Econômico - Brasil, por Lu Aiko Otta — De Brasília, 24/02/2021