O governo está tomando dinheiro emprestado para honrar despesas do dia a dia, como folha de pagamento de servidores civis e militares, além de benefícios da Previdência Social.

A prática é vedada pela chamada regra de ouro, norma que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas de custeio. Pela norma, os recursos tomados no mercado devem ser usados em investimentos e amortizações da própria dívida.

A regra de ouro só não está sendo formalmente descumprida porque, desde 2016, o governo federal tem coberto a diferença entre a tomada de empréstimos e as despesas correntes com recursos recebidos do BNDES --foram R$ 100 bilhões em 2016, R$ 50 bilhões em 2017 e mais R$ 130 bilhões previstos para este ano.

Levantamento feito pela Folha nas despesas federais mostra que, em 2016, o Executivo pagou benefícios da Previdência Social com dinheiro cuja fonte são emissões de dívida no mercado. Foi a primeira vez, pelo menos desde 2000 (quando começa a série de dados), que o governo fez pagamentos de aposentadorias do INSS com recursos de empréstimos.

O quadro se agravou no ano passado. Além de benefícios com a Previdência, o Tesouro Nacional usou dinheiro dos empréstimos para custear despesas com seguro-desemprego, salários e aposentadorias de militares.

A prática prosseguiu neste início de ano, indicando que o governo não vê travas para a utilização do dinheiro tomado no mercado.

NORMAS

O Ministério do Planejamento afirma que obedece as regras vigentes e ressalta que a norma atual não veda o uso de dinheiro emprestado para gastar com despesas correntes. Apenas proíbe que esses empréstimos superem as despesas de capital (investimentos e amortizações). No entanto, a pasta admite que isso só não está ocorrendo graças ao dinheiro do BNDES.

Para o especialista em contas públicas e consultor do Senado Leonardo Ribeiro, a versão oficial para o cumprimento da meta é "estritamente contábil". "Isso enfraquece o instituto em seu prisma econômico, o de impedir uso de dívida para gastos correntes."

ORIGENS

O governo chegou a esse ponto após anos seguidos de elevados deficit orçamentários (o que ocorre desde 2011). Isso significa dizer que as receitas não estão cobrindo as despesas, o que faz com que o governo tenha que tomar dinheiro emprestado para cobrir a diferença.

Além disso, na tentativa de ajustar as contas, o governo está cortando o que pode, e os investimentos são a primeira opção, pois não têm regras rígidas de dispêndio, como a Previdência ou os salários de servidores. Isso faz com que as despesas de capital fiquem ainda menores, forçando o governo a reduzir os empréstimos na mesma proporção.

O dinheiro do BNDES surgiu então como um colchão para dar conta dessa diferença, sem a necessidade de o Tesouro segurar o endividamento. O problema é que o dinheiro do banco estatal não será suficiente para fechar a conta em 2019, o que já levou os ministérios da Fazenda e do Planejamento a estudar alternativas jurídicas para o impasse. Entre as propostas, está a mudança da lei, o que demandaria uma emenda à Constituição.

O descumprimento da regra de ouro pode resultar em crime de responsabilidade, punindo gestores, ministros e até o presidente da República, o que poderia desaguar até em um processo de impeachment.

Fonte: Folha de São Paulo - Mercado, por Mariana Carneiro, 14/02/2018