É quase um lugar comum dizer que os grandes bancos serão os maiores perdedores com a introdução do open banking. Embora isso não seja necessariamente verdade, fato é que eles terão de ajustar seus modelos de negócios e, se não o fizerem, poderão enfrentar uma perda de receitas estimada pela consultoria Roland Berger em até R$ 110 bilhões.

Estudo elaborado pela companhia alemã e divulgado com exclusividade para o Valor traça cenários para o open banking no país levando em conta o que se viu nas experiências da Europa e do Reino Unido e as diretrizes adotadas pelo Banco Central (BC). Segundo a consultoria, o Brasil pode se tornar a nova referência mundial no assunto, dada a abrangência das mudanças que o regulador pretende adotar - com impacto no crédito, em investimentos e em seguros.

“Hoje, quando você abre uma conta em banco, você leva o prédio todo. Com o open banking, não precisa mais ser assim”, diz o diretor sênior da Roland Berger para a indústria financeira, João Bragança. Diante desse panorama, a conclusão da consultoria é a de que há duas estratégias com mais chance de sucesso para os participantes do setor: se especializar no relacionamento com os clientes ou atuar como “fábricas de produtos”, ou seja, ter uma oferta diversificada e distribuí-la em canais de terceiros.

Para a Roland Berger, fintechs, big techs e varejistas têm vocação natural para se encaixar no primeiro grupo, já que costumam oferecer uma boa experiência para seus usuários. Os grandes bancos, por sua vez, são os mais bem posicionados para se encaixar no segundo grupo pela diversidade que têm.

No entanto, segundo Bragança, será grande a tentação para as instituições tradicionais quererem se posicionar nas duas pontas, pois estão acostumadas a atuar dessa forma hoje. Para o consultor, esse não é um modelo impossível, mas quem optar por ele terá de escolher muito bem seu público-alvo.

A boa notícia para os bancos é que eles têm grandes chances de ser muito competitivos na interface com a classe média - público que representa a clientela mais representativa de algumas dessas instituições. “A competição está muito concentrada na alta renda, que as plataformas de investimentos atendem bem já com produtos de terceiros, e na baixa renda, que ganhou foco com o Caixa Tem e com carteiras digitais, mas nunca existiu para os grandes bancos. A média renda é o segmento que tem menos ofertas específicas e é onde eles podem se diferenciar.”

Para Bragança, o impacto do open banking será gradual e se tornará mais perceptível de três a cinco anos após sua implementação, prevista para começar em fevereiro e se estender até dezembro. Diferentemente do Pix, que é mais fácil de acomodar nos modelos de negócio atuais, o conceito de compartilhamento de dados dos clientes atuará mais como um “agitador de águas” no setor financeiro.

O estudo defende que, para mitigar esse impacto, as instituições terão de se redefinir e deixar de se estruturar como silos de produtos. Em vez disso, precisarão se organizar como silos de clientes. “Não faz nenhum sentido você precisar passar por mais de um call center para resolver um problema”, afirma.

Para o executivo, a alta liderança dos principais bancos está ciente do que precisa ser feito e age na direção correta, mas não é simples disseminar esses conceitos em organizações com dezenas de milhares de funcionários. O impacto nas receitas dependerá de duas dimensões que, de certa forma, estão relacionadas. Uma delas tem a ver com o modelo do open banking que o BC está adotando no Brasil, que se baseia na padronização de APIs e abrange um escopo maior de produtos e serviços que o adotado na Europa e no Reino Unido.

Segundo a Roland Berger, se prevalecer o que se viu no mercado europeu, a perda de margem financeira e de receita com tarifas não será muito significativa. Lá, a falta de um padrão de APIs, entre outros fatores, limitou o alcance do open banking. No Brasil, porém, a abertura do mercado tem potencial de fomentar uma competição mais forte, o que abre espaço para cenários de perda de receita mais acelerados.

A outra dimensão se dará dentro dos próprios bancos. Está relacionada à capacidade de digitalização de processos e reorganização das estruturas internas e da geração de novas fontes de receitas, como a de marketplaces de produtos financeiros e não financeiros.


Fonte: Valor Econômico - Finanças, por Talita Moreira — De São Paulo, 20/01/2021