Nenhuma das grandes empresas em recuperação judicial do país apresentou proposta à União para fechar acordo de pagamento de dívidas tributárias, com descontos e parcelamento.

A possibilidade, aberta com a Medida Provisória nº 899 ou MP do Contribuinte Legal, termina na próxima semana e frustra as expectativas de arrecadação da Fazenda com o programa. A projeção era levantar cerca de R$ 1,4 bilhão no primeiro ano do projeto, direcionado aos contribuintes inscritos em dívida ativa e empresas em recuperação judicial.

Em razão do baixo interesse dos contribuintes, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estuda ampliar o prazo de adesão. O órgão também informa estar disposto a incluir nos contratos fechados cláusulas com a previsão de que os acordos serão revisados caso sejam aprovados projetos com condições mais vantajosas que as atuais (leia mais abaixo).

A negociação oferecida às companhias em dificuldade foi aberta em 27 de novembro, a partir da publicação da Portaria PGFN nº 11.956, que regulamenta a MP do Contribuinte Legal. Um adendo à norma autorizou a participação de empresas em processos de recuperação judicial mais avançados, pois a medida abrangia apenas as empresas com pedidos recentes (artigo 57 da Lei nº 11.101/2005). A elas, porém, foi dado o prazo de 60 dias da publicação da portaria, que termina em 25 de janeiro.

A MP autoriza descontos de até 50% em juros e multas e parcelar a dívida em até 84 vezes, com prazo de 180 meses para o início dos pagamentos. Micro e pequenas empresas têm condições mais vantajosas: cem parcelas e descontos de até 70%.

Advogados que atuam para empresas em crise afirmam que as condições são até atrativas, mas, segundo eles, as regras impostas na regulamentação e a situação atual do mercado se tornaram um empecilho à adesão.

Um dos limitadores, diz Rubens Lopes, do escritório WFaria, está em uma das regras da portaria que impõe à PGFN respeitar o limite de descontos fixado nos planos de recuperação - de pagamento dos particulares. Ou seja, mesmo havendo previsão de descontos de até 50%, se a companhia e os seus credores privados pactuaram cerca de 20% - geralmente é esse o percentual de deságio aceito pelo Judiciário - a Fazenda não poderá ultrapassar esse limite.

“Quiseram ser coerentes com o plano, mas foram incoerentes com o programa porque aqueles que não estão em recuperação poderão ter o desconto cheio”, afirma o advogado. Ele diz que a maioria das empresas não tem fluxo de caixa e que, ao fazer as contas, não conseguirão propor acordo.

Lopes critica ainda o prazo de 180 dias, contados da data do fechamento do acordo, para que a empresa inicie os pagamentos. “É pouco tempo. Estamos falando de milhões, às vezes bilhões de reais”, afirma. Entre os seus clientes, um único, segundo ele, tem a intenção de procurar a Fazenda Nacional.

O prazo limite para a apresentar as propostas também estaria dificultando as adesões, diz o advogado André Alves de Melo, sócio da área tributária do escritório Cescon Barrieu. “Talvez não seja suficiente”, ele afirma, pois é preciso equilíbrio para que a liquidação do passivo tributário não prejudique o plano de pagamento dos credores particulares.

Também existiria decepção do mercado com os descontos oferecidos. Segundo o especialista, além de a Fazenda ter que respeitar a média de desconto dos planos, os percentuais são calculados sobre juros e multas, como nos antigos Refis, e não sobre o total da dívida, como ocorre nas recuperações.

Pesa contra o programa da Fazenda Nacional ainda o fato de não haver certeza sobre o futuro da MP - se será aprovada pelo Congresso e em qual formato. Os advogados chamam atenção ainda para o PL 10.220 de reforma a Lei de Recuperação Judicial e Falências. A proposta, que está entre as prioridades para este ano do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ), prevê condições especiais para dívidas fiscais.

De acordo com o texto, as empresas em recuperação judicial poderiam parcelar suas dívidas em até 120 vezes, com os mesmos descontos previstos na MP do Contribuinte Legal, e poderiam ainda usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal para abater parte da dívida.

Especialista na área de recuperação e falências, Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados, acredita que em vez de acordo - como propõe a União por meio da MP do Contribuinte Legal - seria mais adequada a regularização de um plano de parcelamento fiscal específico para as empresas em recuperação. “A questão do acordo não é fácil. Fica nas mãos da Fazenda decidir se aceita ou não. E é muito burocrático”, afirma a advogada.

Juliana afirma ainda que a jurisprudência atual favorece as empresas em recuperação. Apesar de a lei prever que as companhias devem apresentar o documento de regularidade fiscal para que os juízes homologuem seus planos, os magistrados costumam dispensá-las dessa exigência. Há ainda proteção aos bens que são considerados essenciais para o soerguimento da companhia. O entendimento, na prática, acaba por impedir as execuções e penhoras fiscais das recuperandas.


Fonte: Valor-Legislação, por Joice Bacelo e Beatriz Olivon ? de Brasília, 15/01/2020