O novo governo pretende ter, no início de abril, uma lista de 114 obras para garantir o abastecimento de água até 2035. Em uma versão ainda preliminar, o Plano Nacional de Segurança Hídrica contempla projetos que somam investimentos de R$ 25 bilhões. A construção de uma planta dessalinizadora na região metropolitana de Fortaleza, que tornaria potável mil litros por segundo de água do mar, deverá estar entre as ações sugeridas.

"Estamos trabalhando para ter o plano pronto para apresentação na cerimônia dos cem dias de governo", disse ao Valor o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto. De todos os projetos, 66 são no Nordeste - no valor aproximado de R$ 17 bilhões. A conclusão do Cinturão das Águas do Ceará e da Vertente Litorânea (PB) constam do plano, costurado em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA), que acaba de sair do âmbito do Ministério de Meio Ambiente e ir para a nova pasta (fusão dos antigos ministérios das Cidades e Integração Nacional).

Canuto, um paranaense de 40 anos que é gestor federal de carreira e não tem vínculos partidários, abre a possibilidade de inclusão de outras unidades de dessalinização - técnica bastante empregada em países como Israel e Austrália, mas restrita a uma pequena planta em Fernando de Noronha, no Brasil. "É uma alternativa? Pode ser. Algumas intervenções [previstas no plano] são possíveis, mas requerem estudos. Temos cidades litorâneas usando atualmente mananciais do interior. Em um momento de seca, essa utilização é muito intensa. Se houver uma forma de supri-las sem estressar os reservatórios, ganhamos mais espaço para o atendimento ao interior."

De acordo com Canuto, o plano focará em obras de maior relevo. Intervenções menores, como perfuração de poços locais, serão detalhadas na revisão do Atlas da Água em 2020. Os projetos apresentados em abril não são apenas federais. Contemplam ações em andamento pelos governos estaduais. O objetivo é evitar duplicidade no planejamento. "O desafio é como financiar as obras. Sabemos que há limitações fiscais, mas podemos buscar financiamento internacional e parcerias com o setor privado. É uma espécie de mapa, em que teremos os problemas identificados e propostas de solução. Queremos trabalhar de forma mais planejada e pró-ativa. Os recursos são finitos, temos que considerar sempre o custo de oportunidade. Se eu invisto mais aqui, deixo de investir ali."

Natural de Paranavaí, filho de médicos, Canuto foi um menino prodígio que tentou quase de tudo: formou-se em Engenharia de Computação, fez Direito e cursou três anos de Medicina. Até "encontrar-se" no serviço público, como funcionário concursado do Ministério do Planejamento, na carreira de especialista em políticas públicas e gestão governamental. Passou pela Secretaria de Aviação Civil, tornou-se chefe de gabinete do ex-ministro Helder Barbalho na Integração Nacional e secretário-executivo da pasta na reta final da gestão Michel Temer.

"Queremos uma conversa franca com os quatro governadores e levar para a AGU discussões sobre os gastos com a transposição"

Destacado pelo governo anterior para a equipe de transição, foi ganhando espaço e caiu no gosto de auxiliares próximos de Jair Bolsonaro. Em novembro, foi escolhido como ministro, para sua própria surpresa. "O presidente deu total liberdade para a formação de uma equipe técnica e me alertou que ninguém, nenhum parlamentar, está autorizado a pedir algo no ministério em nome dele", anima-se Canuto.

Em entrevista ao Valor, sua primeira desde que foi nomeado, detalhou seus principais planos.

Transposição do São Francisco

O ministro Gustavo Canuto pretende ter uma conversa "franca" com os governadores dos quatro Estados da região Nordeste - Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte - beneficiados pela transposição do rio São Francisco. Ele proporá a instalação de câmaras de conciliação com cada Estado individualmente, no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU), para definir como vão arcar com os custos de operação e manutenção do projeto. A ideia é ter no início de abril, aos cem dias de governo, todas as quatro câmaras instaladas. "É um ambiente controlado, em que os parceiros têm voz, os compromissos são registrados. Vamos sentar à mesa, discutir e buscar um consenso."

A operação do empreendimento bilionário - que tem apenas um de seus dois grandes ramais (o eixo leste) em pleno funcionamento - já custa em torno de R$ 600 milhões aos cofres públicos. O maior gasto é com a energia para estações de bombeamento das águas. Em acordo firmado em 2005, os Estados assumiram responsabilidade pelas despesas operacionais. "Infelizmente não conseguimos avançar como gostaríamos na modelagem da cobrança pelo fornecimento de água bruta", afirma.

A Codevasf, estatal vinculada ao ministério, tem arcado com a compra de energia e operado o PISF - nome formal dado ao Projeto de Integração do São Francisco com as Bacias do Nordeste Setentrional - em caráter provisório. Até agora, entretanto, nenhum dos quatro Estados ressarce a União pelos gastos correntes.

"Precisamos de um contrato assinado para iniciar a operação comercial", diz Canuto. Ele lembra que a Paraíba, por exemplo, já tem recebido as águas do São Francisco e o uso do sistema foi decisivo para evitar um racionamento em cidades como Campina Grande. "Queremos uma conversa franca com os quatro governadores. Há uma necessidade, sim, de formalizarmos isso e termos um contrato com garantias ao governo federal. Se não, eu respondo ao tribunal de contas [TCU] por assumir o compromisso de fornecer sem garantias."

Se os custos de operação e manutenção serão ou não repassados aos consumidores, se vão para as tarifas de água ou se vão ser absorvidos pelos orçamentos estaduais, é uma decisão que caberá a cada governador. O contrato será assinado entre a operadora federal (hoje a Codevasf) e as operadoras designadas por Estado.

Concessão do projeto

A ambição do ex-presidente Michel Temer de entregar o eixo norte da transposição, que levará as águas ao reservatório do Castanhão (CE) e melhorar o abastecimento da região metropolitana de Fortaleza, não pôde ser concretizada. "Tivemos um imprevisto em um dique, perto do reservatório de Negreiros, e estamos trabalhando para que as obras físicas sejam finalizadas até o fim do primeiro semestre", recalcula o ministro. "Pode ser que ocorra antes. Feito isso, não haverá mais impeditivo para o caminho das águas e teremos condições de fazer o bombeamento, mas há prazos determinados pela ANA para o enchimento dos reservatórios", diz.

Em outubro, segundo ele, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou um consórcio para apresentar alternativas de operação do projeto. Uma concessão ou uma parceria público-privada (PPP) são hipóteses cogitadas. O cronograma acertado prevê a apresentação das análises de viabilidade econômica de cada alternativa em novembro deste ano. A partir daí, o governo terá condições de escolher qual caminho seguir. Para o ministro, um dos pontos que podem dar atratividade ao negócio é a exploração das linhas de transmissão instaladas ao longo de todos os 477 km. Elas podem facilitar o escoamento de energia de projetos eólicos e fotovoltaicos.

Saneamento básico

O novo governo ainda vê a necessidade de ajustes na medida provisória que altera o marco regulatório do saneamento básico, diz Canuto. A MP 844, que previa uma reforma no setor, perdeu vigência em novembro sem ter sido votada. Em sua última semana no Palácio do Planalto, Temer reeditou a MP do Saneamento, aproveitando mudanças feitas no texto original pela comissão mista do Congresso Nacional.

A equipe de transição, segundo o próprio Canuto, deu aval à iniciativa por entender que se trata de um assunto urgente. "Eu mesmo tratei da reedição com o [ex] ministro Eliseu Padilha [Casa Civil]. "O texto já melhorou em relação à sua primeira versão, leva em conta tudo o que foi trabalhado no Congresso, no relatório do senador Valdir Raupp. No entanto, alguns pontos ainda precisam ser mais bem trabalhados."

A ênfase, conforme antecipa o ministro, será dada à criação de incentivos para que municípios de pequenos e médio porte formem consórcios ao contratar projetos de abastecimento de água e tratamento de esgoto.

"Saneamento precisa de escala", aponta Canuto. "O problema, para os pequenos e médios, é que o custo fixo dos serviços é muito alto. Se a escala for pequena, não se sustenta o modelo de negócios, o retorno fica baixo. A ideia é criar incentivos para que os municípios se associem e eles se tornem atrativos, juntos, para as companhias estaduais ou privadas. O objetivo não é o subsídio cruzado, a experiência mostra que não têm funcionado bem."

Não há possibilidade de reverter a abertura de concorrência nos serviços - em vez de preferência garantida às empresas públicas. Pela lei anterior, só era preciso fazer uma licitação se o prefeito quisesse contratar uma empresa privada. "A concorrência é essencial. Ou melhora a gestão das existentes ou atrai novos atores", argumenta o ministro.

Para ele, no entanto, há uma necessidade de fiscalização do governo para impedir que as companhias de saneamento "invistam tudo no filé e nada no osso". "O papel da regulação é criar incentivos para isso. Podemos pensar em facilidades ou custos diferenciados, mas será uma responsabilidade da ANA", afirma.

Planos de desenvolvimento

O objetivo do ministério é ter prontos para envio ao Congresso Nacional, no fim de maio, três planos de desenvolvimento regional - para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. "Eles estão previstos pela Constituição desde 1988, mas não existem até hoje", observa Canuto. Serão três projetos de lei definindo prioridades de investimentos e "apostas estratégicas" em cada região.

Com base nos planos, os fundos as superintendências regionais (Sudam, Sudene e Sudeco) vão dar enfoque às suas linhas de financiamento. "A ideia é trabalhar de maneira alinhada com esse planejamento", explica. "Temos que partir dos planos para as linhas, e não o contrário."

" O texto da MP do Saneamento ainda precisa de ajustes. A ideia é criar incentivos para pequenos municípios se associarem"

A ideia é apontar como prioridades "sistemas inovativos e produtivos" no Nordeste, a "economia da biodiversidade" no Norte, a "diversificação da cadeia produtiva do agronegócio" no Centro-Oeste. Os projetos devem ser remetidos ao Legislativo junto com a proposta do Plano Plurianual 2020-2023. "Precisa estar alinhado com o PPA. Os planos têm que se traduzir em orçamento para ganhar viabilidade econômica."

Mobilidade urbana

Os projetos de mobilidade urbana com recursos do Orçamento Geral da União (OGU) ou com financiamento barato da Caixa Econômica Federal vão passar por um pente-fino do ministério.

Em 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff fez alarde com o PAC Mobilidade, que previa dezenas de projetos de transporte público de alta capacidade - metrôs, trens, BRTs. Pouca coisa saiu do papel. O governo federal costumava se queixar da falta de bons projetos. Uma reclamação comum aos Estados e municípios contemplados pelo programa era a forte limitação fiscal que dificultava o acesso aos recursos.

Canuto tem uma posição mais realista. "Vamos identificar e separar aquelas obras que estão com andamento muito lento, mas com condições de serem concluídas, daquelas que não têm. Para aquelas que têm condição, vamos buscar recursos do OGU, fundos, parceiros privados ou financiamento internacional."

No caso das obras sem viabilidade técnica ou econômica, "insistir seria um erro", acredita o ministro. "Estamos em um momento de ajuste fiscal e precisamos respeitar a política econômica."

As duas estatais do setor que estão vinculadas ao ministério, CBTU e Trensurb, não estão no radar imediato de eventuais privatizações. "Nenhuma alternativa está descartada. A gente tem que pensar o modelo e verificar o que traz o maior benefício para a população. Se for uma concessão ou desestatização, tudo bem. Hoje, não é isso o que está na pauta."

Por enquanto, principalmente no caso da rede de trens metropolitanos da gaúcha Trensurb, o foco é explorar mais potenciais receitas acessórias. "Há uma circulação de pessoas muito grande, uma área desapropriada, buscar aumento do faturamento por meio de rendas acessórias."

Na avaliação de Canuto, é preciso pensar com a cabeça dos operadores de aeroportos. "É claro que o público-alvo é diferente, mas precisamos aproveitar esse movimento, esse fluxo de passageiros", enfatiza. A tarifa atual da Trensurb só cobre cerca de 40% dos gastos da empresa - o restante vem do Tesouro Nacional.

Os planos de instalar ar-condicionado nos vagões, por exemplo, esbarram na falta de recursos próprios. "Quem sabe uma melhoria de gestão revitalize as empresas. Para mim, o caminho é esse", diz Canuto, antes de cogitar um processo de desestatização.

Estrutura do ministério

As oito secretarias existentes nos antigos ministérios das Cidades e da Integração Nacional estão sendo reduzidas para seis na nova pasta de Desenvolvimento Regional. Todos os escolhidos são nomes técnicos: Jônathas de Castro (Saneamento Ambiental), Marcelo Borges (Segurança Hídrica), Celso Matsuda (Habitação), Jean Carlos Pejo (Mobilidade Urbana), Adriana Melo (Desenvolvimento Regional e Urbano) e coronel Alexandre Lucas (Proteção e Defesa Civil).

Outras subsecretarias exercem um papel transversal no ministério. Uma é a de concessões, parcerias, arranjos e cooperação internacional. A segunda é a subsecretaria de fundos, planejamento integrado e incentivos fiscais.


Fonte: Valor, por Daniel Rittner - de Brasília, 15/01/2019