Uma parte do superávit primário do governo federal no último mês de 2013 foi feito com receitas que deveriam ter sido repartidas com Estados e municípios e que não foram. Um exemplo é a parcela de dezembro do salário educação, de cerca de R$ 700 milhões, que só foi transferida no dia 30 daquele mês. Com isso, a receita só saiu do caixa do Tesouro Nacional e entrou nos caixas estaduais no início de janeiro. Também não foi transferida para os entes federados uma parte do Imposto de Renda (IR) obtida no parcelamento especial de débitos tributários de controladas e coligadas no exterior das empresas brasileiras.

Além das transferências não realizadas, gasto de R$ 1,95 bilhão do Orçamento de 2013 referente a auxílio financeiro a entes federados exportadores foi adiado para janeiro. A medida provisória 629, editada pela presidente Dilma Rousseff em 18 de dezembro - dia em que o Congresso aprovou o Orçamento de 2014 e entrou em recesso - instituiu e, ao mesmo tempo, adiou o pagamento do auxílio.

O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disse ao Valor que "o Tesouro não esteve e não está autorizado a repassar os recursos (do auxílio financeiro) antes do dia 17 de janeiro de 2014". A MP 629, explicou Augustin, determina que o repasse será feito em parcela única 30 dias após sua publicação. "Logo, seria ilegal a transferência desses valores em 2013", afirmou.

Os governadores, no entanto, tinham a expectativa de que o dinheiro fosse pago ainda no exercício de 2013. Alguns secretários estaduais de Fazenda disseram ao Valor que, durante uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), o ministério da Fazenda prometera a liberação dos recursos no ano passado.

É curioso observar que o valor dessa despesa que foi adiada para este ano equivale aos R$ 2 bilhões adicionais que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou terem sido obtidos em relação à meta inicial de R$ 73 bilhões para o superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central). Sem o adiamento dessa despesa, o superávit não ficaria em torno de R$ 75 bilhões.

No caso do salário educação, o governo adotou como padrão transferir os recursos devidos aos Estados e municípios até o dia 25 de cada mês. Isso ocorreu ao longo de 2013, segundo os dados do Siafi (sistema eletrônico que registra despesas e receitas da União). O padrão, no entanto, mudou em dezembro, quando a ordem bancária para pagamento da parcela do salário educação só foi emitida no dia 30. Isso impediu que governadores e prefeitos recebessem o dinheiro ainda em 2013, pois os bancos não funcionaram no dia 31.

A decisão do governo destoa do que foi feito em 2012, quando a transferência da parcela de dezembro foi feita no dia 19 do mês. Houve, portanto, mudança de procedimento que afetou o fluxo financeiro de prefeituras e governos estaduais. O salário educação é usado para financiar programas e ações do ensino fundamental.

Ao ser questionado, Augustin disse, por escrito, que encaminharia a questão para o Ministério da Educação, "órgão responsável pela transferência desse recurso aos entes subnacionais". A lei 10.832, de dezembro de 2003, determina que a cota estadual e municipal será creditada mensal e automaticamente às secretarias de Educação de Estados e municípios.

A União é obrigada a repassar a Estados e municípios 45% da receita do IR, conforme a Constituição. Assim, tudo o que foi arrecadado com o parcelamento dos débitos do IR decorrentes de lucros de controladas e coligadas no exterior, relativos a fatos geradores ocorridos até 31 de dezembro de 2012, terá que ser dividido com as prefeituras e os governos estaduais. Essa receita ingressou no Tesouro em novembro, no conjunto dos R$ 20,3 bilhões arrecadados com os dois parcelamentos especiais de débitos e com a reabertura do Refis da crise. Mas ela não foi repassada.

Augustin explicou que os valores de depósitos judiciais, parcelamentos especiais e quaisquer receitas que não foram identificadas pelo contribuinte no recolhimento do DARF "antigamente levavam meses ou anos para serem classificados definitivamente pela Receita Federal". "Para evitar esse transtorno, em 2009 a portaria MF 232 passou a autorizar a classificação por estimativa", argumentou.

Mas para que essa classificação por estimativa seja feita, continua Augustin, "exige-se um procedimento especial que impossibilita a transferência no decêndio subsequente". O secretário informou que, no caso dos valores do parcelamento especial que ingressaram no final de novembro, a Receita promoveu em prazo recorde a classificação dos valores, tendo concluído o trabalho no dia 6 de janeiro de 2014. "Esses recursos foram imediatamente transferidos para Estados e municípios", disse.

O pagamento foi feito por estimativa. Em 8 de janeiro, a Fazenda emitiu a ordem bancária "2014OB800038" para transferir R$ 834.483.647,36 para Estados e municípios. Foi colocada a seguinte observação no documento: "pagamento de FPE e FPM, classificação por estimativa do parcelamento a que se refere a lei 12.865/2013 - 3 dec. de dezembro de 2013".

Com a mudança no repasse do salário educação e a não transferência das receitas dos parcelamentos, Estados e municípios deixaram de receber de R$ 2,5 bilhões a R$ 3 bilhões, segundo estimativa não oficial. Somando o R$ 1,95 bilhão do auxílio também não repassado, o total chegaria perto de R$ 5 bilhões. Esse dinheiro ficou no caixa da União e ajudou a fazer o superávit do governo federal. Secretários de Fazenda dizem que a decisão de não transferir os recursos melhorou o resultado primário da União e piorou o das prefeituras e Estados. Perguntado se o governo usou receitas dos entes federados para fazer o seu próprio superávit, Augustin respondeu com uma única palavra: "Não".


Fonte: Valor, por Ribamar Oliveira, 13/01/2014