Não é só a trajetória de crescimento da dívida bruta do governo geral nos últimos anos que se mostra preocupante. O perfil do principal indicador de solvência fiscal também tem tido deterioração relevante, em termos de exposição ao risco. Desde 2014, a média da parcela vinculada à taxa Selic vem subindo constantemente e já se aproxima da metade de toda a dívida bruta brasileira.

Segundo cálculos do Valor com base em dados do Banco Central, até novembro a participação média desse indicador ficou em 45,9% do total da dívida bruta do governo, ante 42,9% na média de 2016 e o maior nível desde 2009. Até 2015, esse índice vinha ficando na média entre 38% e 39%. O ponto mais baixo foi atingido no fim de 2013, quando ficou em 33,4%.

O crescimento das operações compromissadas, que só no ano passado subiram R$ 87 bilhões, e também a estratégia do Tesouro de privilegiar custo em detrimento do risco na gestão de suas emissões de títulos em mercado estão pesando nessa deterioração do perfil, embora o lado positivo seja diminuir a conta de juros nesse momento em que a taxa Selic está em queda.

No lado das compromissadas, o crescimento pode ser atribuído à própria incidência de juros sobre o estoque, baixo crescimento do mercado de crédito e das breves liberações de depósitos compulsórios ocorridas no ano passado. No lado do Tesouro Nacional, o apelo ao custo se justifica. A colocação de títulos atrelados à inflação, apesar de melhorar o perfil do endividamento, estava em máximas históricas com uma NTN-B, título atrelado ao IPCA, chegando a custar mais de 17,5% ao ano no começo de 2016. Em novembro do ano passado, esse custo já tinha recuado a 8,5%.

O ganho fiscal, contudo, é menos intenso porque quando as taxas de juros estavam em seu pico, ainda havia uma parcela mais alta de prefixados e títulos atrelados ao IPCA na dívida bruta do que de vinculados à Selic. Em dezembro de 2015, a composição de prefixados e vinculados ao IPCA estava em 48,8%, ante 39,2% da Selic. Em novembro passado, contudo, o dado mais recente disponível, a soma dos dois primeiros estava ligeiramente menor do que a participação da taxa Selic.

Para o diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Gabriel Leal de Barros, a mudança no perfil da dívida reflete em grande medida a busca do governo por aproveitar mais rapidamente o impacto fiscal favorável da queda da taxa Selic. É que, na parcela vinculada à taxa básica de juros, as variações definidas pelo Banco Central afetam seu rendimento e, portanto, a carga fiscal do governo. Nesse período de queda dos juros, esse impacto é favorável.

Barros destaca ainda que em um ambiente de elevada incerteza, resultante de sucessões de crises políticas, como foram os últimos anos, é natural que o Tesouro tenha maior dificuldade de encontrar demanda para os papéis prefixados e a parcela "selicada" cresça.

O economista cita recente relatório de acompanhamento fiscal (RAF) divulgado pela IFI, no qual é destacado que a alta nesse tipo de indexador "traz problemas", porque a Selic é instrumento de política monetária. "Se houver necessidade de elevá-la para manter a inflação sob controle, todo o
estoque em mercado passa a ser remunerado imediatamente à taxa mais alta, o que, além de elevar os custos da dívida pública, pode interferir na eficácia da política monetária. Entretanto, na fase atual, de queda da Selic, esses efeitos operam na direção oposta", diz o texto.

"É possível que, nos próximos meses, a participação dos títulos corrigidos pela Selic caia ou se mantenha no atual patamar, diante das sucessivas quedas desta taxa", complementa o documento mencionado por Barros. Até o fim do mês, o Tesouro deve apresentar o Plano Anual de Financiamento (PAF) para 2018, acenando a estratégia para composição da dívida mobiliária no ano.
 
Apesar de ter ampliado a fatia de Selic nos últimos dois anos, o órgão mantém o objetivo de longo prazo de reduzir essa participação a 20%. Para o ano passado, o objetivo era manter esse percentual entre 29% a 33%. O economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, também acredita que o aumento da parcela de títulos vinculados à Selic reflete um ambiente mais conturbado no país. "[Isso ocorreu] Provavelmente pelo cenário mais conturbado, perda do grau de investimento em 2015, alta da Selic e da curva de juros etc. Isso sempre favorece a emissão de selicados", diz o economista, que também salientou o papel da trajetória constante de elevação das operações compromissadas feitas pelo Banco Central.

Ele nota um dado curioso no qual a parcela vinculada à Selic na dívida líquida do setor público tem trajetória de queda ao longo do ano passado, movimento na direção contrária do que ocorreu na dívida bruta. "Como a dívida líquida cresceu a taxas mais elevadas de 2016 para cá, no caso específico desta, a participação da parcela ′selicada′ recuou, embora mantenha níveis bastante elevados (próximo ao recorde da série)", comentou. "No caso da bruta, essa participação segue crescendo, numa tendência que vem desde 2013", ressaltou Tinoco.


Fonte: Valor - Finanças, por Fabio Graner e Eduardo Campos, 12/01/2018