A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu não permitir a aquisição direta de critptomoedas por fundos de investimentos locais. Por outro lado, a autarquia ainda não tem uma conclusão sobre investimentos na modalidade por meio de fundos no exterior, em locais onde a operação já é permitida.

A orientação da Superintendência de Relações com Investidores Institucionais (SIN) é de que o mercado aguarde manifestação posterior e mais conclusiva da área técnica, o que deve ocorrer só em março. O direcionamento do regulador consta em ofício divulgado nesta sexta-feira (12). A CVM lembra que o Brasil e outros países têm discutido a natureza jurídica e econômica dessas modalidades de investimento, sem uma conclusão final sobre a conceituação, especialmente no ?mercado e regulação domésticos?.

?Assim, e baseado em dita indefinição, a interpretação desta área técnica é a de que as criptomoedas não podem ser qualificadas como ativos financeiros (...) e por essa razão, sua aquisição direta pelos fundos de investimento ali regulados não é permitida?, diz o documento.

A CVM também recebeu consultas sobre a possibilidade de constituição de fundos de investimento no Brasil com o objetivo de investir em outros veículos no exterior que invistam em criptomoedas. Ou, ainda, para aplicar em derivativos admitidos à negociação em ambientes regulamentados de outras jurisdições.

No ofício, a autarquia lembra que as discussões existentes sobre o investimento em criptomoedas, seja diretamente pelos fundos ou de outras formas, ainda se encontram em patamar bastante incipiente. O documento cita o projeto de lei 2.303/2015 que, se aprovado, poderá impedir, restringir ou criminalizar a negociação destas modalidades de investimento.

?Julgamos conveniente que os administradores e gestores de fundos de investimento aguardem manifestação posterior e mais conclusiva desta superintendência sobre o tema para que estruturem o investimento indireto em criptomoedas conforme descrito, ou mesmo em outras formas alternativas que busquem essa natureza de exposição a risco?, diz o ofício da autarquia.

Em geral, este tipo de documento enviado ao mercado pela CVM costuma trazer manifestações conclusivas mas, neste caso, diante de muitas consultas do mercado - desde o ano passado foram cerca de 12, número considerado alto -, a autarquia achou que seria necessário se posicionar sobre o tema. Segundo o superintendente de relações com investidores institucionais, Daniel Maeda, até março o regulador já deve ter uma posição mais contundente sobre o assunto. A autarquia está estudando o tema e ouvindo o mercado a respeito.
 
O superintendente lembra que no exterior os reguladores vêm tomando direções diversas. No caso do Canadá ou Austrália, por exemplo, tendem a ser mais liberais ou flexíveis. Já a Coreia do Sul tem mostrado uma postura mais restritiva para este tipo de investimento.

Nos Estados Unidos, a regulação não veda o investimento, mas casos específicos já foram negados, como a constituição de ETFs em criptomoedas. No dia 4 de janeiro, a Securities and Exchange Commission (SEC) divulgou comunicado ao mercado em que afirmou que investidores deveriam ser cautelosos com criptomoedas como bitcoin. A autoridade americana notou que reguladores federais e estaduais poderiam não conseguir recuperar perdas de investimentos de atores ilegais do mercado.

No caso do Brasil, a decisão sobre a aplicação direta de fundos nos ativos pode não ser definitiva. ?Isso sempre pode ser analisado, não só em relação às criptomoedas, naturalmente. Essa lista de ativos financeiros elegíveis pode ser sempre ampliada. Já é uma questão mais regulatória, mais longa. Se as critptomoedas vierem a compor a lista de ativos elegíveis, com certeza dependeria de uma reflexão mais profunda, envolvendo a SDM (Superintendência de Desenvolvimento de Mercado) e ouvindo o mercado. Com certeza não seria algo para este ano?, disse Maeda.

A CVM lembra que ainda não há clareza sobre vários aspectos dos investimentos neste tipo de ativo. ?Temos preocupações em torno das criptomoedas que nos geram alguns desconfortos?, disse o superintendente. Ele afirmou que, dependendo da plataforma de negociação, há dificuldade em enxergar o beneficiário final das operações e aumenta possibilidade de a modalidade de ser utilizada para lavagem de dinheiro. ?Queremos ter uma clareza do mercado de como poderíamos nos blindar em relação a isso. Outra preocupação que temos é em relação às plataformas de negociação em si?, afirmou.

Maeda citou que o modelo atual não é como o da B3, por exemplo, que tem um trabalho de supervisão, uma mecânica de autorregulação e que protege o ambiente de manipulação ou práticas não equitativas. ?Eu, por exemplo, teria muito desconforto de incentivar a indústria de fundos a caminhar em direção a negociação com ativos em plataformas que não têm esse nível proteção, supervisão ou autorregulação?, afirmou.

O superintendente também manifestou preocupações em torno da custódia. ?Ainda não há alguém que possamos dizer que é a pessoa que poderia bloquear posições, suspender negociações, proteger o mercado de manipulação. Isso tudo faz parte de algumas das preocupações que temos?, afirmou Maeda.

As consultas à CVM sobre os investimentos de fundos em criptomoedas ganharam força no final do ano passado. O que trouxe muitos holofotes para o bitcoin foi a valorização no ano passado, mas ainda assim, lembra Maeda, é um ativo de pouca liquidez e mais volátil do que qualquer papel negociado em bolsa. ?O comportamento passado do ativo em nada indica que isso vai se repetir no futuro?, alertou.

Em paralelo, a CVM está discutindo a oferta inicial de moedas (ICO, na sigla em inglês) da ?niobium?. Em sua última reunião, o colegiado remeteu o assunto novamente para área técnica para diligências adicionais. 

Inicialmente, a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) entendeu que não se tratava de um valor mobiliário, afastando a competência da autoridade do mercado de capitais sobre o assunto. O entendimento é que qualquer decisão sobre o tema pode ser referencial para o mercado brasileiro.

Fonte: Valor - Finanças, por Juliana Schincariol , 12/01/2018