As expectativas mudaram e mudaram até as expressões faciais dos principais responsáveis pela política econômica. Estão mais aliviados, com a sensação de que a tão esperada virada da estagnação para o crescimento já ocorreu. O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, garante que em 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá algo muito próximo a 3%. E não se trata de mero crescimento cíclico, argumentam os técnicos do governo, resultado de um processo natural de recuperação após acentuada recessão. Este tem vida curta, é um voo de galinha.

O que os economistas oficiais asseguram é que está em curso uma retomada do crescimento que será sustentada ao longo da década que está para começar.

O subsecretário de Política Mmacroeconômica, Vladimir Kuhl Teles, chama a atenção para a quebra estrutural de modelo que ocorreu com a implementação de uma política fiscal mais dura.

“Finalmente está se completando o Plano Real, editado há 25 anos, com uma política fiscal rigorosa e crível, taxa de juros baixa e expectativa de inflação ancorada no regime de metas”, disse.

Exauriu-se, assim, o modelo de crescimento custeado pelo gasto público - cuja expansão foi de 6% acima da inflação na média dos últimos anos. O aumento incessante do gasto levou a uma trajetória insustentável da dívida bruta como proporção do PIB e taxa de juros elevadíssimas que inviabilizaram investimentos do setor real da economia.No lugar desse modelo baseado no desequilíbrio fiscal surge, agora, um novo desenho calcado no ajuste fiscal estrutural, que permitiu a queda dos juros de forma também estrutural.

O endividamento público teve uma importante retração. A dívida bruta como proporção do PIB, que caminhava celeremente para 82% em 2022, mudou sua trajetória e deverá se estabilizar em 78% neste ano e cair a partir de 2023. Esse é o principal indicador de solvência do Estado brasileiro e o temor de um calote na dívida esteve presente nos anos recentes. Não deve ser minimizado o efeito de afastar esse cenário do horizonte na conquista de um upgrade no rating das agências de classificação de risco em 2020.

O motor do crescimento, desta vez, deverá ser o aumento da produtividade. Nesse sentido, Teles destaca a redução do papel do Estado nas decisões de alocação dos investimentos - função que cabe ao setor privado -, as privatizações e a abertura da economia.

Medidas microeconômicas também terão impacto na produtividade, a exemplo da liberação dos recursos do FGTS para os trabalhadores, que poderão sacar uma vez por ano o dinheiro. Essa iniciativa, segundo Teles, não é para colocar mais recursos na economia, como um incentivo à expansão do consumo. Ela pretendeu, por exemplo, incentivar o trabalhador a permanecer no emprego, em vez de pedir as contas para poder sacar o seu FGTS. Isso resultará em ganhos da produtividade do trabalho, salienta ele.

São grandes as expectativas dos técnicos oficiais de que a queda da taxa de juros vai dar novos impulsos à atividade econômica neste ano. A safra agrícola que começará em 2020 será mais uma vez recorde e, diferentemente da de 2019, em que a produção de milho foi maior, esta safra será baseada na soja. O setor de serviços cresce, e a construção civil está em ritmo de forte recuperação.

O PIB privado está em expansão da ordem de 2%, enquanto o do setor público cai cerca de 1%, melhorando, segundo técnicos, a composição do crescimento da economia.

Os indicadores do mercado de trabalho também animam os economistas do governo, sempre cobrados pelos 12,5 milhões de desempregados no país. Os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) reportam até novembro 950 mil novos empregos com carteira assinada. Em novembro foram abertas quase 100 mil vagas, performance compatível, segundo Teles, com 2,5% a 3% de crescimento do PIB em 2020.

“Estamos vendo a economia se aquecer bastante e o quanto o país vai crescer em 2020 vai depender muito das condições externas, que estão melhorando, assim como do impacto dos juros baixos”, resume o subsecretário. A capacidade ociosa acumulada pelos anos de recessão seguidos de estagnação deverá se estender ainda por dois a três anos, a partir dos quais o crescimento demandará a ampliação da oferta de bens e serviços e dos ganhos de produtividade dos fatores.

Este ano, portanto, terá de ser também pródigo na aprovação de reformas para dar novo dinamismo à atividade produtiva. Além das três PECs (Propostas de Emenda à Constituição) do ajuste fiscal - Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos - e o cumprimento do teto do gasto público, Teles acredita que o governo vai enviar as reformas tributária e administrativa, além do projeto de lei que cria um “fast track” para acelerar as privatizações.

A insegurança jurídica, que é um banho de água fria nos projetos dos investidores, terá que ser resolvida no âmbito da reforma tributária porque, na avaliação dos técnicos, é na Receita Federal que a insegurança está mais presente, com a interpretação quase diária de normas e instruções que resultam em um verdadeiro “manicômio” tributário.

A queda da taxa de juros básica (Selic) começou na gestão de Ilan Goldfajn no Banco Central, durante o governo de Michel Temer. Entre 2016 e 2018, a Selic entrou em trajetória de queda saindo de 14,25% para 6% ao ano. Durante o primeiro ano do governo Bolsonaro, a taxa caiu para 4,50% ao ano. Foi na gestão de Roberto Campos Neto no BC que os juros mais longos começaram a ceder de forma consistente.

Segundo trabalho elaborado pelo Banco Mundial, as taxas de retorno para projetos de infraestrutura giram em torno de 8,5% a 9%. Se os juros longos são maiores do que isso, o setor privado não investirá a não ser que o governo lhe conceda crédito subsidiado.

A queda da curva longa da taxa de juros viabiliza essa faixa de projetos. Ao conseguir financiar os investimentos privados com dinheiro também privado, entra-se em um círculo virtuoso, salientam economistas do governo.

Há, ainda, um importante trabalho do BC para imprimir um regime de maior competição no sistema financeiro para que o spread bancário também caia na proporção da queda da taxa Selic, beneficiando o tomador final de recursos.

Em síntese, é bastante provável que os dias de estagnação da economia estejam, de fato, ficando para trás. A retomada do crescimento da ordem de 2,5% a 3% é um animador sinal, mas longe de inspirar euforia. Ainda estaremos distantes de 2010, por exemplo, quando o PIB cresceu 7,5% de forma, porém, totalmente insustentável. Estaremos distantes inclusive de 2013, quando o país cresceu 3%, mas mergulhou em uma profunda e duradoura recessão em 2015 e 2016 e ficou praticamente estagnado desde então.

Para se chegar a um crescimento sustentável no tempo há ainda um longo caminho a percorrer, com a aprovação de reformas e a implementação de um ajuste fiscal que dependa menos de receitas extraordinárias e seja mais fundamentado na redução do gasto. Só assim será possível se reestabelecer um mínimo necessário de investimentos públicos em obras de infraestrutura.

É esperada, também, a reação dos investimentos privados, ainda por acontecer.


Fonte: Valor-Brasil, por Claudia Safatle - Brasília, 09/01/2020